Jorge Luiz Borges - O Livro
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Textos de Auxílio
George Bernard Shaw (1856 -1950) e Borges.
Dramaturgo e crítico literário Irlandês, prêmio Nobel de Literatura de 1925. Teve uma infância difícil e uma vida literária árdua a princípio. Até os 30 anos, quando começou a escrever para teatro, teve suas novelas recusadas para publicação pelos editores e seus ensaios não encontraram eco nos jornais.
Influenciado por Ibsen, revoluciona o teatro inglês aos 35 anos com peças denunciando a miséria , (A casa dos Viúvos, 1892) e a prostituição (A profissão da Senhora Warren,1893, só liberada pela censura dez anos mais tarde).Caesar and Cleopatra peça montada em 1901 segue os passos de Shakespeare de Anthony e Cleopatra. Talvez sua peça mais conhecida seja Pigmaleão (Pygmalion, 1913). Filmada em 1938, deu a Shaw o Oscar (é o único a receber ambos os prêmios, Nobel e o Oscar) de melhor roteiro, e foi adaptado no famoso musical My Fair Lady (montado em 1956; filmado em 1964).
Borges sempre leu e admirou Shaw. A editora Hyspamérica solicitou a Borges, em 1985, selecionar e escrever o prólogo de cem obras imprescindíveis. Ele incluiu César e Cleopatra de Shaw dentre os 64 que escreveu. Estes prólogos foram incluídos nas Obras Completas IV sob o título "Biblioteca Pessoal. ".Em 1951 escreveu um ensaio "Uma nota sobre e para Bernard Shaw" incluso em Otras Inquisiciones - Vol. II da Obra Completa. Um dos contos mais fantásticos de Borges "El Inmortal" em Aleph, é baseado na peça "Back to Methuselah (1922)" de Shaw.
A citação de Borges refere-se ao trecho da peça Cesar e Cleopatra.
Inadvertidamente o fogo se espalha dos navios para a Biblioteca de Alexandria. O Filósofo da corte egipcia roga em vão a Cesar para apagar o incêndio da Biblioteca. Este diálogo realça a importância do livro para a memória e a história.:
Act II
THEODOTUS (filósofo da corte de Cleopatra)..A biblioteca de Alexandria está pegando fogo.
CESAR. Isto é tudo?
THEODOTUS Tudo? Cesar: Você quer passar para a posterioridade como um bárbaro soldado que ignora o valor dos livros?
CESAR. Theodotus, Eu sou um autor, e digo-lhe é melhor que os egípcios possam realmente viver suas próprias vidas do que simplesmente imaginá-las com a ajuda dos livros.
THEODOTUS Cesar: Somente uma a cada dez gerações a humanidade ganha um livro imortal. ....Sem a história (escrita), a morte o nivelará a um simples soldado.
CESAR. A morte virá em de qualquer modo. Eu não peço um túmulo melhor.
THEODOTUS. O que está queimando é a memória da humanidade.
CESAR. Uma memória vergonhosa. Deixe-a queimar.
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________________ no original
THEODOTUS (rushing down the hall between them). The fire has spread from your ships. The first of the seven wonders of the world perishes. The library of Alexandria is in flames.
RUFIO. Psha! (Quite relieved, he goes up to the loggia and watches the preparations of the troops on the beach.)
CAESAR. Is that all?
THEODOTUS (unable to believe his senses). All! Caesar: will you go down to posterity as a barbarous soldier too ignorant to know the value of books? CAESAR. Theodotus: I am an author myself; and I tell you it is better that the Egyptians should live their lives than dream them away with the help of books.
THEODOTUS (kneeling, with genuine literary emotion: the passion of the pedant). Caesar: once in ten generations of men, the world gains an immortal book.
CAESAR (inflexible). If it did not flatter mankind, the common executioner would burn it.
THEODOTUS. Without history, death would lay you beside your meanest soldier.
CAESAR. Death will do that in any case. I ask no better grave.
THEODOTUS. What is burning there is the memory of mankind.
AESAR. A shameful memory. Let it burn.
THEODOTUS (wildly). Will you destroy the past?
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Spengler e Borges
Oswald Spengler (1880 - 1936) e Borges.
Filósofo alemão cuja reputação repousa inteiramente no seu estudo "Der Untergang des Abendlandes, 2 vol. (1918–22; O Declínio do Ocidente). Trata-se de um estudo da filosofia da história. Na sua teoria Spengler desenvolve a idéia de que a maioria das civilizações passa por um ciclo de vida. Diferente de Arnold Tonybee (para quem uma cultura guarda relação com outra anterior), Spengler afirma que o espírito de uma cultura não pode ser transferido a outra e que o futuro pode ser somente um período de irreversível declínio, o que de um certo modo dá suporte teórico ao nazismo. A despeito do sucesso de público, no período entre as guerras, o trabalho de Spengler não conta com o apoio dos historiadores modernos (Karl Popper, Max Weber entre outros) , devido a sua falta de metodologia e erros pontuais. Embora suas idéias tenham alguma semelhança com o dogma Nazista, após a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, passou a viver isolado até sua morte.
Borges leu-o no original em alemão ou na tradução espanhola ainda nos anos 20. Em uma curta biografia para a revista El Hogar (25-12-1936) "Seu conceito biológico da história é discutível, porém não seu estilo esplêndido". Para os modernos, Spengler é praticamente ilegível pela falta de método e erros. É provável que Borges admirasse o estilo de Splenger, em particular em discorrer sobre culturas diversas no tempo e no espaço. De resto, este ensaio de Borges é muito superior, do ponto de vista literário ao extenso ensaio de Spengler, que nada nos diz a respeito do livro como ferramenta da cultura.
É bem provável que a observação de Borges, uma citação periférica, seja um reconhecimento a Spengler com uma pitada de ironia.
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Filósofo alemão cuja reputação repousa inteiramente no seu estudo "Der Untergang des Abendlandes, 2 vol. (1918–22; O Declínio do Ocidente). Trata-se de um estudo da filosofia da história. Na sua teoria Spengler desenvolve a idéia de que a maioria das civilizações passa por um ciclo de vida. Diferente de Arnold Tonybee (para quem uma cultura guarda relação com outra anterior), Spengler afirma que o espírito de uma cultura não pode ser transferido a outra e que o futuro pode ser somente um período de irreversível declínio, o que de um certo modo dá suporte teórico ao nazismo. A despeito do sucesso de público, no período entre as guerras, o trabalho de Spengler não conta com o apoio dos historiadores modernos (Karl Popper, Max Weber entre outros) , devido a sua falta de metodologia e erros pontuais. Embora suas idéias tenham alguma semelhança com o dogma Nazista, após a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, passou a viver isolado até sua morte.
Borges leu-o no original em alemão ou na tradução espanhola ainda nos anos 20. Em uma curta biografia para a revista El Hogar (25-12-1936) "Seu conceito biológico da história é discutível, porém não seu estilo esplêndido". Para os modernos, Spengler é praticamente ilegível pela falta de método e erros. É provável que Borges admirasse o estilo de Splenger, em particular em discorrer sobre culturas diversas no tempo e no espaço. De resto, este ensaio de Borges é muito superior, do ponto de vista literário ao extenso ensaio de Spengler, que nada nos diz a respeito do livro como ferramenta da cultura.
É bem provável que a observação de Borges, uma citação periférica, seja um reconhecimento a Spengler com uma pitada de ironia.
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Borges: textos e poemas no original
De los diversos instrumentos del hombre, el más asombroso es, sin duda, el libro.
Los demás son extensiones de su cuerpo. El microscopio, el telescopio, son extensiones de de su vista; el teléfono es extensión de la voz; luego tenemos el arado y la espada, extensiones de su brazo. Pero el libro es otra cosa: el libro es una extensión de la memoria y de la imaginación.
En Cesar y Cleopatra de Shaw, cuando se habla de la biblioteca de Alejandría se dice que es la memoria de la humanidad. Eso es el libro y es algo más también, la imaginación. Porque, ¿Qué es nuestro pasado sino una serie de sueños?
¿Qué diferencia puede haber entre recordar sueños y recordar el pasado? Esa es la función que realiza el libro.
Yo he pensado, alguna vez, escribir una historia del libro. No desde el punto de vista físico. No me interesan los libros físicamente (sobre todo los libros de los bibliófilos, que suelen ser desmesurados), sino las diversas valoraciones que el libro ha recibido. He sido anticipado por Spengler, en su La decadencia de occidente, donde hay páginas preciosas sobre el libro. Con alguna observación personal, pienso atenerme a lo que dice Spengler.
Los antiguos profesaban nuestro culto al libro –cosa que me sorprende-; veían en el libro un sucedáneo de la palabra oral. Aquella frase que se cita siempre: Scripta manent verba volant, no significa que la palabra oral sea efímera, sino que la palavra escrita es algo duradero y muerto. En cambio, la palabra oral tiene algo de alado, de liviano; alado y sagrado, como dijo Platón. Todos los grandes maestros de la humanidad han sido, curiosamente, maestros orales.
Tomaremos el primer caso: Pitágoras. Sabemos que Pitágoras no escribió deliberadamente. No escribió porque no quiso atarse a una palabra escrita. Sintió, sin duda, aquello de la letra mata y el espíritu vivifica, que vendría después en la Biblia.
Él debió sentir eso, no quiso atarse a una palabra escrita; por eso Aristóteles no habla nunca de Pitágoras, sino de los pitagóricos.
Nos dice, por ejemplo, que los pitagóricos profesaban la creencia, el dogma, del eterno retorno, que muy tardíamente descubriría Nietzche.
Es decir, la idea del tiempo cíclico, que fue refutada por San Agustín en la Ciudad de Dios. San Agustín dice, con hermosa metáfora, que la cruz de cristo nos salva del laberinto circular de los estoicos.
La idea de un tiempo cíclico fue rozado también por Hume, por Blanqui…y por tantos otros.
Pitágoras no escribió voluntariamente; quería que su pensamiento viviese más allá de su muerte corporal, en la mente de sus discípulos. Aquí vino aquello de (yo no sé griego, trataré de decirlo en latín) Magíster dixit (el maestro ha dicho).
Esto no significa que estuvieran atados porque el maestro lo había dicho; por el contrario, afirma la libertad de seguir pensando el pensamiento inicial del maestro.
.No sabemos cómo se inició la doctrina del tiempo cíclico, pero sí sabemos que sus discípulos la profesaban.
Pitágoras muere corporalmente y ellos, por una suerte de transmigración –esto le hubiera gustado a Pitágoras- siguen pensando y repensando su pensamiento, y cuando se les reprocha el decir algo nuevo, se refugian en aquella formula: el maestro lo ha dicho (magíster dixit).
Pero tenemos otro ejemplo: tenemos el alto ejemplo de Platón, cuando dice que los libros son como efigies (puede haber estado pensando en esculturas o en cuadros), que uno cree que están vivas, pero si se les pregunta algo no contestan.
Entonces, para corregir esta mudez de los libros, inventan el diálogo platónico. Es decir, Platón se multiplica en muchos personajes: Sócrates, Gorgias y los demás
. También podemos pensar que Platón quería consolarse de la muerte de Sócrates pensando que Sócrates seguía viviendo.
Frente a todo problema, él decía: ¿Qué hubiera dicho Sócrates de esto? Así, de algún modo fue la inmortalidad de Sócrates, quien no dejó nada escrito, y también fue maestro oral.
De cristo sabemos que escribió una sola vez algunas palabras que la arena se encargó de borra
No escribió otra cosa que sepamos. El Buda fue también un maestro oral; quedan sus prédicas.
Luego tenemos una frase de San Anselmo: Poner un libro en manos de un ignorante es tan peligroso como poner una espada en manos de un niño.
Se pensaba así de los libros.
En todo oriente existe aún el concepto de que un libro no debe revelar las cosas; un libro debe, simplemente, ayudarnos a descubrirlas.
A pensar de mi ignorancia del hebreo, he estudiado algo de la cábala y he leído las versiones inglesas y alemanas del Zohar (El libro del esplendor) y el séfer yezira (El libro de las relaciones).
Sé que esos libros no están escritos para ser entendidos; son acicates para que el lector siga el pensamiento.
La antigüedad clásica no tuvo nuestro respeto del libro; auque sabemos que Alejandro de Macedonia tenía bajo su almohada la Ilíada y la espada, esas dos armas.
Había un gran respeto por Homero, pero no se le consideraba un escritor sagrado en el sentido que hoy le damos a la palabra.
No se pensaba que la Ilíada y la Odisea fueran textos sagrados, eran libros respetados, pero también podían ser atacados. Platón pudo desterrar a los poetas de su República sin caer en la sospecha de herejía.
De estos testimonios de los antiguos contra el libro podemos agregar uno muy curioso de Séneca.
En sus admirables epístolas a Lucilio hay una dirigida contra un individuo muy vanidoso, de quien se dice que tenía una biblioteca de cien volúmenes;
y quién -se pregunta Séneca- puede tener tiempo para leer cien volúmenes.
Ahora, en cambio, se aprecian las bibliotecas numerosas.
En la antigüedad hay algo que nos cuesta entender, que no se parece a nuestro culto del libro. Se ve siempre en el libro a un sucedáneo de la palabra oral, pero luego llega del oriente un concepto nuevo, del todo extraño en la antigüedad clásica: el del libro sagrado.
Vamos a tomar dos ejemplos, empezando por el más tardío: los musulmanes.
Éstos piensan que el Corán es anterior a la creación, anterior a la lengua árabe; es uno de los atributos de Dios, no una obra de Dios; es como su misericordia o su justicia.
En el Corán se habla de forma asaz extraña de la madre del libro. La madre del libro es un ejemplo del Corán escrito en el cielo.
Vendrían a ser el arquetipo platónico del Corán, y ese mismo libro –lo dice el Corán-, ese libro está escrito en el cielo, que es atributo de Dios y anterior a la creación.
Esto lo proclaman los sulems o doctores musulmanes.
Luego tenemos otros ejemplos más cercanos a nosotros: la Biblia, o más concretamente, la Torá o el Pentateuco. Se considera que esos libros fueron dictados por el Espíritu Santo.
Éste es un hecho curioso: la atribución de libros de diversos autores y edades a un solo espíritu; pero en la Biblia misma se dice que el Espíritu sopla donde quiere.
Los hebreos tuvieron la idea de juntar diversas obras literarias de diversas épocas y de formar con ellas un solo libro, cuyo título es Torá (Biblia en griego). Todos estos libros se atribuyen a un solo autor: el Espíritu.
A Bernard Shaw le preguntaron una vez si creía que el Espíritu Santo había escrito la Biblia
. Y contesto: Todo libro que vale la pena de ser releído ha sido escrito por el Espíritu.
Es decir, un libro tiene que ir más allá de la intención de su autor.
La intención del autor es una pobre cosa humana, fallible, pero en el libro tiene que haber más.
El Quijote, por ejemplo, es más que una sátira de los libros de caballería. Es un texto absoluto en el cual no intervienen, absolutamente para nada, el azar.
Pensemos en las consecuencias de esta idea. Por ejemplo, si yo digo:
Corrientes aguas, puras, cristalinas,
árboles que estáis mirando en ellas
verde prado, de fresca sombra lleno
es evidente que los tres versos constan de once sílabas. Ha sido querido por el autor, es voluntario. Pero, qué es eso comparado con una obra escrita por el Espíritu, qué es eso comparado con el concepto de la Divinidad que condesciende a la literatura y dicta un libro. En ese libro nada puede ser casual, todo tiene que estar justificado, tiene que estar justificadas las letras. Se entiende, por ejemplo, que el principio de la Biblia: Bereshit bara elohim, comienza por una B porque eso corresponde a bendecir.
Se trata de un libro en el que nada es casual, absolutamente nada. Eso nos lleva a la Cábala, nos lleva al estudio de las letras, a un libro sagrado dictado por la divinidad, que viene a ser lo contrario de lo que los antiguos pensaban. Estos pensaban en la musa de modo bastante vago. Canta, musa, la cólera de Aquiles dice Homero al principio de la Ilíada. Ahí la musa corresponde a la inspiración. En cambio, si se piensa en el Espíritu, se piensa en algo más concreto y más fuerte: Dios, que condesciende a la literatura.
Dios, que escribe un libro; en ese libro nada es casual: ni el número de las letras, ni la cantidad de sílabas de cada versículo, ni el hecho de que podamos hacer juegos de palabras con las letras, de que podamos tomar el valor numérico de las letras.
Todo ha sido ya considerado.
El segundo gran concepto de los libros –repito- es que pueda ser una obra divina.
Quizás esté más cerca de lo que nosotros sentimos ahora que de la idea del libro que tenían los antiguos; es decir, un mero sucedáneo de la palabra oral.
Luego decae la creencia en un libro sagrado y reemplazada por otras creencias.
Por aquellas, por ejemplo, de que cada país está representado por un libro.
Recordemos que los musulmanes dominan a los israelitas, la gente del libro; recordemos aquella frase de Heinrich Heine sobre la nación cuya patria era un libro: la Biblia, los judíos.
Tenemos entonces un nuevo concepto, el de que cada país tiene que ser representado por un libro; en todo caso, por un autor que puede serlo de muchos libros.
Es curioso –no creo que esto haya sido observado hasta ahora- que los países hayan elegido individuos que no se parecen demasiado a ellos.
Uno piensa, por ejemplo, que Inglaterra hubiera elegido al Doctor Johnson como representante, pero no, Inglaterra ha elegido a Shakespeare, y Shakespeare es –digámoslo así- el menos Inglés de los escritores de Ingleses.
Lo típico de Inglaterra es el Understatement , es el decir un poco menos de las cosas.
En cambio, Shakespeare tendía a la hipérbole en la metáfora y no nos sorprendería que Shakespeare hubiera sido italiano o judío, por ejemplo.
Otro caso es el de Alemania; un país admirable, tan fácilmente fanático, elige precisamente a un hombre tolerante, que no es fanático, y a quien no le importa demasiado el concepto de patria; elige a Goethe. Alemania está representada por Goethe.
En Francia no se ha elegido un autor, pero se tiende a Victor Hugo.
Desde luego, siento una gran admiración por Hugo, pero Hugo no es típicamente francés.
Hugo es extranjero en Francia.
Hugo, con esas grandes decoraciones, con esas vastas metáforas, no es típico de Francia.
Otro caso aún más curioso es el de España. España podría haber sido representada por Lope, por Calderón, por Quevedo, pero España está representada por Miguel de Cervantes.
Cervantes es un hombre contemporáneo de la Inquisición; pero es tolerante, es un hombre que no tiene ni las virtudes niños vicios españoles.
Es como si cada país pensara que tiene que ser representado por alguien distinto, por alguien que puede ser, un poco, una suerte de remedio, una suerte de triaca, una suerte de contraveneno de sus defectos.
Nosotros, los argentinos, hubiéramos podido elegir el Facundo de Sarmiento, que es nuestro libro, pero no; nosotros, con nuestra historia militar, nuestra historia de espada, hemos elegido como libro la crónica de un desertor, hemos elegido el Martín Fierro, que si bien merece ser elegido como libro,
¿Cómo pensar que nuestra historia está representada por un desertor de la conquista del desierto?
Sin embargo, es así; como si cada país sintiera esta necesidad.
Sobre el libro han escrito de un modo brillante tantos escritores.
Yo quiero referirme a unos pocos.
Primero me referiré a Montaigne, que dedica uno de sus ensayos al libro.
En ese ensayo hay una frase memorable: No hago nada sin alegría. Montaigne apunta a que el concepto de lectura obligatoria es un concepto falso.
Dice que si él encuentra un pasaje difícil en un libro, lo deja: porque ve en la lectura una forma de felicidad.
Recuerdo que hace muchos años se realizó una encuesta sobre qué es la pintura. Le preguntaron a mi hermana Norah y contestó que la pintura es el arte de dar a conocer con alegría formas y colores.
Yo diría que la literatura es también una forma de alegría.
Si leemos algo con dificultad, el autor ha fracasado.
Por eso considero que un escritor como Joyce ha fracasado esencialmente, porque su obra requiere un esfuerzo.
Un libro no ha de requerir un esfuerzo; la felicidad no debe requerir un esfuerzo.
Pienso que Montaigne tiene razón.
Luego enumera los autores que le gustan. Cita a Virgilio, dice preferir la Geórgicas a la Eneida; yo prefiero la Eneida, pero eso no tiene nada que ver. Montaigne habla de los libros con pasión; dice que aunque los libros son felicidad, constituyen, sin embargo, un placer lánguido.
Emerson lo contradice –es el otro gran trabajo sobre los libros que existe-.
En esa conferencia, Emerson dice que una biblioteca es una especie de gabinete mágico. En ese gabinete están encantados los mejores espíritus de la humanidad, pero esperan nuestra palabra para salir de su mudez. Tenemos que abrir el libro, entonces ellos despiertan.
Dice que podemos contar con la compañía de los mejores hombres que la humanidad ha producido, pero que no los buscamos y preferimos leer comentarios, críticas y no vamos a lo que ellos dicen.
Yo he sido profesor de literatura inglesa, durante veinte años, en la facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Siempre he dicho a mis estudiantes que tengan un poco de bibliografía, que no lean críticas, que lean directamente los libros; entenderán poco, quizá, pero siempre gozarán y estarán oyendo la voz de alguien.
Yo diría que lo más importante de un autor es su entonación; lo más importante de un libro es la voz del autor, esa voz que llega a nosotros.
Yo he dedicado una parte de mi vida a las letras, y creo que una forma de felicidad es la lectura; otra forma de felicidad menor es la creación poética, o lo que llamamos creación, que es una mezcla de olvido y recuerdo de lo que hemos leído.
Emerson coincide con Montaigne en el hecho de que debemos leer únicamente lo que nos agrada, que un libro tiene que ser una forma de felicidad.
Debemos tanto a las letras.
Yo he tratado más de releer que de leer; creo que releer es más importante que leer, salvo que para releer se necesita haber leído.
Yo tengo ese culto del libro.
Puedo decirlo de un modo que puede parecer patético y no quiero que sea patético; quiero que sea como una confidencia que les realizo a cada uno de ustedes; no a todos, pero sí a cada uno, porque todos es una abstracción y cada uno es verdadero.
Yo sigo jugando a no ser ciego, yo sigo comprando libros, yo sigo llenando mi casa de libros.
El otro día me regalaron una edición del año 1966 de la Enciclopedia de Brokhause.
Yo sentí la presencia de ese libro en mi casa, la sentí como una suerte de felicidad.
Ahí estaban los veintitantos volúmenes con una letra gótica que no puedo leer, con los mapas y grabados que no puedo ver; y sin embargo, el libro estaba ahí.
Yo sentía como una gravitación amistosa del libro.
Pienso que el libro es una de las posibilidades de felicidad que tenemos los hombres
. Se habla de la desaparición del libro; yo creo que es imposible. Se dirá: qué diferencia puede haber entre un libro y un periódico o un disco. La diferencia es que un periódico se lee para el olvido; un disco se oye, asimismo, para el olvido, es algo mecánico y por lo tanto frívolo. Un libro se lee para la memoria.
El concepto de un libro sagrado, del Corán o la Biblia, o de los Vedas –donde también se expresa que los Vedas crean el mundo-, puede haber pasado, pero el libro tiene todavía cierta santidad que debemos tratar de no perder. Tomar un libro y abrirlo guarda la posibilidad del hecho estético.
¿Qué son las palabras acostadas en un libro? ¿Qué son esos símbolos muertos?
Es simplemente un cubo de papel y cuero, con hojas; pero si lo leemos ocurre algo raro, creo que cambia cada vez.
Heráclito dijo (lo he repetido demasiadas veces) que nadie baja dos veces al mismo río. Nadie baja dos veces al mismo río porque las aguas cambian, pero lo más terrible es que nosotros somos no menos fluidos que el río. Cada vez que leemos un libro, el libro ha cambiado, la connotación de las palabras es otra.
Además, los libros están cargados de pasado.
He hablado en contra de la crítica y voy a desdecirme (pero qué importa desdecirme). Hamlet no es exactamente el Hamlet que Shakespeare concibió a principios del siglo XVII;
Hamlet es el Hamlet de Coleridge, de Goethe y de Bradley. Hamelet ha sido renacido.
Lo mismo pasa con el Quijote.
Igual sucede con Lugones y Martínez Estrada; el Martín Fierro no es el mismo.
Los lectores han ido enriqueciendo el libro.
Si leemos un libro antiguo, es como si leyéramos todo el tiempo que ha transcurrido entre el día en que fue escrito y nosotros.
Por eso conviene mantener el culto del libro.
El libro puede estar lleno de erratas; podemos no estar de acuerdo con las opiniones del autor, pero todavía conserva algo sagrado, algo divino; no con respeto supersticioso, pero sí con el deseo de encontrar felicidad, de encontrar sabiduría.
Eso es lo que quería decirles hoy.
Los demás son extensiones de su cuerpo. El microscopio, el telescopio, son extensiones de de su vista; el teléfono es extensión de la voz; luego tenemos el arado y la espada, extensiones de su brazo. Pero el libro es otra cosa: el libro es una extensión de la memoria y de la imaginación.
En Cesar y Cleopatra de Shaw, cuando se habla de la biblioteca de Alejandría se dice que es la memoria de la humanidad. Eso es el libro y es algo más también, la imaginación. Porque, ¿Qué es nuestro pasado sino una serie de sueños?
¿Qué diferencia puede haber entre recordar sueños y recordar el pasado? Esa es la función que realiza el libro.
Yo he pensado, alguna vez, escribir una historia del libro. No desde el punto de vista físico. No me interesan los libros físicamente (sobre todo los libros de los bibliófilos, que suelen ser desmesurados), sino las diversas valoraciones que el libro ha recibido. He sido anticipado por Spengler, en su La decadencia de occidente, donde hay páginas preciosas sobre el libro. Con alguna observación personal, pienso atenerme a lo que dice Spengler.
Los antiguos profesaban nuestro culto al libro –cosa que me sorprende-; veían en el libro un sucedáneo de la palabra oral. Aquella frase que se cita siempre: Scripta manent verba volant, no significa que la palabra oral sea efímera, sino que la palavra escrita es algo duradero y muerto. En cambio, la palabra oral tiene algo de alado, de liviano; alado y sagrado, como dijo Platón. Todos los grandes maestros de la humanidad han sido, curiosamente, maestros orales.
Tomaremos el primer caso: Pitágoras. Sabemos que Pitágoras no escribió deliberadamente. No escribió porque no quiso atarse a una palabra escrita. Sintió, sin duda, aquello de la letra mata y el espíritu vivifica, que vendría después en la Biblia.
Él debió sentir eso, no quiso atarse a una palabra escrita; por eso Aristóteles no habla nunca de Pitágoras, sino de los pitagóricos.
Nos dice, por ejemplo, que los pitagóricos profesaban la creencia, el dogma, del eterno retorno, que muy tardíamente descubriría Nietzche.
Es decir, la idea del tiempo cíclico, que fue refutada por San Agustín en la Ciudad de Dios. San Agustín dice, con hermosa metáfora, que la cruz de cristo nos salva del laberinto circular de los estoicos.
La idea de un tiempo cíclico fue rozado también por Hume, por Blanqui…y por tantos otros.
Pitágoras no escribió voluntariamente; quería que su pensamiento viviese más allá de su muerte corporal, en la mente de sus discípulos. Aquí vino aquello de (yo no sé griego, trataré de decirlo en latín) Magíster dixit (el maestro ha dicho).
Esto no significa que estuvieran atados porque el maestro lo había dicho; por el contrario, afirma la libertad de seguir pensando el pensamiento inicial del maestro.
.No sabemos cómo se inició la doctrina del tiempo cíclico, pero sí sabemos que sus discípulos la profesaban.
Pitágoras muere corporalmente y ellos, por una suerte de transmigración –esto le hubiera gustado a Pitágoras- siguen pensando y repensando su pensamiento, y cuando se les reprocha el decir algo nuevo, se refugian en aquella formula: el maestro lo ha dicho (magíster dixit).
Pero tenemos otro ejemplo: tenemos el alto ejemplo de Platón, cuando dice que los libros son como efigies (puede haber estado pensando en esculturas o en cuadros), que uno cree que están vivas, pero si se les pregunta algo no contestan.
Entonces, para corregir esta mudez de los libros, inventan el diálogo platónico. Es decir, Platón se multiplica en muchos personajes: Sócrates, Gorgias y los demás
. También podemos pensar que Platón quería consolarse de la muerte de Sócrates pensando que Sócrates seguía viviendo.
Frente a todo problema, él decía: ¿Qué hubiera dicho Sócrates de esto? Así, de algún modo fue la inmortalidad de Sócrates, quien no dejó nada escrito, y también fue maestro oral.
De cristo sabemos que escribió una sola vez algunas palabras que la arena se encargó de borra
No escribió otra cosa que sepamos. El Buda fue también un maestro oral; quedan sus prédicas.
Luego tenemos una frase de San Anselmo: Poner un libro en manos de un ignorante es tan peligroso como poner una espada en manos de un niño.
Se pensaba así de los libros.
En todo oriente existe aún el concepto de que un libro no debe revelar las cosas; un libro debe, simplemente, ayudarnos a descubrirlas.
A pensar de mi ignorancia del hebreo, he estudiado algo de la cábala y he leído las versiones inglesas y alemanas del Zohar (El libro del esplendor) y el séfer yezira (El libro de las relaciones).
Sé que esos libros no están escritos para ser entendidos; son acicates para que el lector siga el pensamiento.
La antigüedad clásica no tuvo nuestro respeto del libro; auque sabemos que Alejandro de Macedonia tenía bajo su almohada la Ilíada y la espada, esas dos armas.
Había un gran respeto por Homero, pero no se le consideraba un escritor sagrado en el sentido que hoy le damos a la palabra.
No se pensaba que la Ilíada y la Odisea fueran textos sagrados, eran libros respetados, pero también podían ser atacados. Platón pudo desterrar a los poetas de su República sin caer en la sospecha de herejía.
De estos testimonios de los antiguos contra el libro podemos agregar uno muy curioso de Séneca.
En sus admirables epístolas a Lucilio hay una dirigida contra un individuo muy vanidoso, de quien se dice que tenía una biblioteca de cien volúmenes;
y quién -se pregunta Séneca- puede tener tiempo para leer cien volúmenes.
Ahora, en cambio, se aprecian las bibliotecas numerosas.
En la antigüedad hay algo que nos cuesta entender, que no se parece a nuestro culto del libro. Se ve siempre en el libro a un sucedáneo de la palabra oral, pero luego llega del oriente un concepto nuevo, del todo extraño en la antigüedad clásica: el del libro sagrado.
Vamos a tomar dos ejemplos, empezando por el más tardío: los musulmanes.
Éstos piensan que el Corán es anterior a la creación, anterior a la lengua árabe; es uno de los atributos de Dios, no una obra de Dios; es como su misericordia o su justicia.
En el Corán se habla de forma asaz extraña de la madre del libro. La madre del libro es un ejemplo del Corán escrito en el cielo.
Vendrían a ser el arquetipo platónico del Corán, y ese mismo libro –lo dice el Corán-, ese libro está escrito en el cielo, que es atributo de Dios y anterior a la creación.
Esto lo proclaman los sulems o doctores musulmanes.
Luego tenemos otros ejemplos más cercanos a nosotros: la Biblia, o más concretamente, la Torá o el Pentateuco. Se considera que esos libros fueron dictados por el Espíritu Santo.
Éste es un hecho curioso: la atribución de libros de diversos autores y edades a un solo espíritu; pero en la Biblia misma se dice que el Espíritu sopla donde quiere.
Los hebreos tuvieron la idea de juntar diversas obras literarias de diversas épocas y de formar con ellas un solo libro, cuyo título es Torá (Biblia en griego). Todos estos libros se atribuyen a un solo autor: el Espíritu.
A Bernard Shaw le preguntaron una vez si creía que el Espíritu Santo había escrito la Biblia
. Y contesto: Todo libro que vale la pena de ser releído ha sido escrito por el Espíritu.
Es decir, un libro tiene que ir más allá de la intención de su autor.
La intención del autor es una pobre cosa humana, fallible, pero en el libro tiene que haber más.
El Quijote, por ejemplo, es más que una sátira de los libros de caballería. Es un texto absoluto en el cual no intervienen, absolutamente para nada, el azar.
Pensemos en las consecuencias de esta idea. Por ejemplo, si yo digo:
Corrientes aguas, puras, cristalinas,
árboles que estáis mirando en ellas
verde prado, de fresca sombra lleno
es evidente que los tres versos constan de once sílabas. Ha sido querido por el autor, es voluntario. Pero, qué es eso comparado con una obra escrita por el Espíritu, qué es eso comparado con el concepto de la Divinidad que condesciende a la literatura y dicta un libro. En ese libro nada puede ser casual, todo tiene que estar justificado, tiene que estar justificadas las letras. Se entiende, por ejemplo, que el principio de la Biblia: Bereshit bara elohim, comienza por una B porque eso corresponde a bendecir.
Se trata de un libro en el que nada es casual, absolutamente nada. Eso nos lleva a la Cábala, nos lleva al estudio de las letras, a un libro sagrado dictado por la divinidad, que viene a ser lo contrario de lo que los antiguos pensaban. Estos pensaban en la musa de modo bastante vago. Canta, musa, la cólera de Aquiles dice Homero al principio de la Ilíada. Ahí la musa corresponde a la inspiración. En cambio, si se piensa en el Espíritu, se piensa en algo más concreto y más fuerte: Dios, que condesciende a la literatura.
Dios, que escribe un libro; en ese libro nada es casual: ni el número de las letras, ni la cantidad de sílabas de cada versículo, ni el hecho de que podamos hacer juegos de palabras con las letras, de que podamos tomar el valor numérico de las letras.
Todo ha sido ya considerado.
El segundo gran concepto de los libros –repito- es que pueda ser una obra divina.
Quizás esté más cerca de lo que nosotros sentimos ahora que de la idea del libro que tenían los antiguos; es decir, un mero sucedáneo de la palabra oral.
Luego decae la creencia en un libro sagrado y reemplazada por otras creencias.
Por aquellas, por ejemplo, de que cada país está representado por un libro.
Recordemos que los musulmanes dominan a los israelitas, la gente del libro; recordemos aquella frase de Heinrich Heine sobre la nación cuya patria era un libro: la Biblia, los judíos.
Tenemos entonces un nuevo concepto, el de que cada país tiene que ser representado por un libro; en todo caso, por un autor que puede serlo de muchos libros.
Es curioso –no creo que esto haya sido observado hasta ahora- que los países hayan elegido individuos que no se parecen demasiado a ellos.
Uno piensa, por ejemplo, que Inglaterra hubiera elegido al Doctor Johnson como representante, pero no, Inglaterra ha elegido a Shakespeare, y Shakespeare es –digámoslo así- el menos Inglés de los escritores de Ingleses.
Lo típico de Inglaterra es el Understatement , es el decir un poco menos de las cosas.
En cambio, Shakespeare tendía a la hipérbole en la metáfora y no nos sorprendería que Shakespeare hubiera sido italiano o judío, por ejemplo.
Otro caso es el de Alemania; un país admirable, tan fácilmente fanático, elige precisamente a un hombre tolerante, que no es fanático, y a quien no le importa demasiado el concepto de patria; elige a Goethe. Alemania está representada por Goethe.
En Francia no se ha elegido un autor, pero se tiende a Victor Hugo.
Desde luego, siento una gran admiración por Hugo, pero Hugo no es típicamente francés.
Hugo es extranjero en Francia.
Hugo, con esas grandes decoraciones, con esas vastas metáforas, no es típico de Francia.
Otro caso aún más curioso es el de España. España podría haber sido representada por Lope, por Calderón, por Quevedo, pero España está representada por Miguel de Cervantes.
Cervantes es un hombre contemporáneo de la Inquisición; pero es tolerante, es un hombre que no tiene ni las virtudes niños vicios españoles.
Es como si cada país pensara que tiene que ser representado por alguien distinto, por alguien que puede ser, un poco, una suerte de remedio, una suerte de triaca, una suerte de contraveneno de sus defectos.
Nosotros, los argentinos, hubiéramos podido elegir el Facundo de Sarmiento, que es nuestro libro, pero no; nosotros, con nuestra historia militar, nuestra historia de espada, hemos elegido como libro la crónica de un desertor, hemos elegido el Martín Fierro, que si bien merece ser elegido como libro,
¿Cómo pensar que nuestra historia está representada por un desertor de la conquista del desierto?
Sin embargo, es así; como si cada país sintiera esta necesidad.
Sobre el libro han escrito de un modo brillante tantos escritores.
Yo quiero referirme a unos pocos.
Primero me referiré a Montaigne, que dedica uno de sus ensayos al libro.
En ese ensayo hay una frase memorable: No hago nada sin alegría. Montaigne apunta a que el concepto de lectura obligatoria es un concepto falso.
Dice que si él encuentra un pasaje difícil en un libro, lo deja: porque ve en la lectura una forma de felicidad.
Recuerdo que hace muchos años se realizó una encuesta sobre qué es la pintura. Le preguntaron a mi hermana Norah y contestó que la pintura es el arte de dar a conocer con alegría formas y colores.
Yo diría que la literatura es también una forma de alegría.
Si leemos algo con dificultad, el autor ha fracasado.
Por eso considero que un escritor como Joyce ha fracasado esencialmente, porque su obra requiere un esfuerzo.
Un libro no ha de requerir un esfuerzo; la felicidad no debe requerir un esfuerzo.
Pienso que Montaigne tiene razón.
Luego enumera los autores que le gustan. Cita a Virgilio, dice preferir la Geórgicas a la Eneida; yo prefiero la Eneida, pero eso no tiene nada que ver. Montaigne habla de los libros con pasión; dice que aunque los libros son felicidad, constituyen, sin embargo, un placer lánguido.
Emerson lo contradice –es el otro gran trabajo sobre los libros que existe-.
En esa conferencia, Emerson dice que una biblioteca es una especie de gabinete mágico. En ese gabinete están encantados los mejores espíritus de la humanidad, pero esperan nuestra palabra para salir de su mudez. Tenemos que abrir el libro, entonces ellos despiertan.
Dice que podemos contar con la compañía de los mejores hombres que la humanidad ha producido, pero que no los buscamos y preferimos leer comentarios, críticas y no vamos a lo que ellos dicen.
Yo he sido profesor de literatura inglesa, durante veinte años, en la facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Siempre he dicho a mis estudiantes que tengan un poco de bibliografía, que no lean críticas, que lean directamente los libros; entenderán poco, quizá, pero siempre gozarán y estarán oyendo la voz de alguien.
Yo diría que lo más importante de un autor es su entonación; lo más importante de un libro es la voz del autor, esa voz que llega a nosotros.
Yo he dedicado una parte de mi vida a las letras, y creo que una forma de felicidad es la lectura; otra forma de felicidad menor es la creación poética, o lo que llamamos creación, que es una mezcla de olvido y recuerdo de lo que hemos leído.
Emerson coincide con Montaigne en el hecho de que debemos leer únicamente lo que nos agrada, que un libro tiene que ser una forma de felicidad.
Debemos tanto a las letras.
Yo he tratado más de releer que de leer; creo que releer es más importante que leer, salvo que para releer se necesita haber leído.
Yo tengo ese culto del libro.
Puedo decirlo de un modo que puede parecer patético y no quiero que sea patético; quiero que sea como una confidencia que les realizo a cada uno de ustedes; no a todos, pero sí a cada uno, porque todos es una abstracción y cada uno es verdadero.
Yo sigo jugando a no ser ciego, yo sigo comprando libros, yo sigo llenando mi casa de libros.
El otro día me regalaron una edición del año 1966 de la Enciclopedia de Brokhause.
Yo sentí la presencia de ese libro en mi casa, la sentí como una suerte de felicidad.
Ahí estaban los veintitantos volúmenes con una letra gótica que no puedo leer, con los mapas y grabados que no puedo ver; y sin embargo, el libro estaba ahí.
Yo sentía como una gravitación amistosa del libro.
Pienso que el libro es una de las posibilidades de felicidad que tenemos los hombres
. Se habla de la desaparición del libro; yo creo que es imposible. Se dirá: qué diferencia puede haber entre un libro y un periódico o un disco. La diferencia es que un periódico se lee para el olvido; un disco se oye, asimismo, para el olvido, es algo mecánico y por lo tanto frívolo. Un libro se lee para la memoria.
El concepto de un libro sagrado, del Corán o la Biblia, o de los Vedas –donde también se expresa que los Vedas crean el mundo-, puede haber pasado, pero el libro tiene todavía cierta santidad que debemos tratar de no perder. Tomar un libro y abrirlo guarda la posibilidad del hecho estético.
¿Qué son las palabras acostadas en un libro? ¿Qué son esos símbolos muertos?
Es simplemente un cubo de papel y cuero, con hojas; pero si lo leemos ocurre algo raro, creo que cambia cada vez.
Heráclito dijo (lo he repetido demasiadas veces) que nadie baja dos veces al mismo río. Nadie baja dos veces al mismo río porque las aguas cambian, pero lo más terrible es que nosotros somos no menos fluidos que el río. Cada vez que leemos un libro, el libro ha cambiado, la connotación de las palabras es otra.
Además, los libros están cargados de pasado.
He hablado en contra de la crítica y voy a desdecirme (pero qué importa desdecirme). Hamlet no es exactamente el Hamlet que Shakespeare concibió a principios del siglo XVII;
Hamlet es el Hamlet de Coleridge, de Goethe y de Bradley. Hamelet ha sido renacido.
Lo mismo pasa con el Quijote.
Igual sucede con Lugones y Martínez Estrada; el Martín Fierro no es el mismo.
Los lectores han ido enriqueciendo el libro.
Si leemos un libro antiguo, es como si leyéramos todo el tiempo que ha transcurrido entre el día en que fue escrito y nosotros.
Por eso conviene mantener el culto del libro.
El libro puede estar lleno de erratas; podemos no estar de acuerdo con las opiniones del autor, pero todavía conserva algo sagrado, algo divino; no con respeto supersticioso, pero sí con el deseo de encontrar felicidad, de encontrar sabiduría.
Eso es lo que quería decirles hoy.
Poema de los Dones
(El Hacedor, 1960)
Nadie rebaje a lágrima o reproche
esta declaración de la maestría
de Dios, que con magnífica ironía
me dio a la vez los libros y la noche.
De esta ciudad de libros hizo dueños
a unos ojos sin luz, que sólo pueden
leer en las bibliotecas de los sueños
los insensatos párrafos que ceden
las albas a su afán. En vano el día
les prodiga sus libros infinitos,
arduos como los arduos manuscritos
que perecieron en Alejandría.
De hambre y de sed (narra una historia griega)
muere un rey entre fuentes y jardines;
yo fatigo sin rumbo los confines
de esa alta y honda biblioteca ciega.
Enciclopedias, atlas, el Oriente
y el Occidente, siglos, dinastías,
símbolos, cosmos y cosmogonías
brindan los muros, pero inútilmente.
Lento en mi sombra, la penumbra hueca
exploro con el báculo indeciso,
yo, que me figuraba el Paraíso
bajo la especie de una biblioteca.
Algo, que ciertamente no se nombra
con la palabra azar, rige estas cosas;
otro ya recibió en otras borrosas
tardes los muchos libros y la sombra.
Al errar por las lentas galerías
suelo sentir con vago horror sagrado
que soy el otro, el muerto, que habrá dado
los mismos pasos en los mismos dias.
¿Cuál de los dos escribe este poema
de un yo plural y de una sola sombra?
¿Qué importa la palabra que me nombra
si es indiviso y uno el anatema?
Groussac o Borges, miro este querido mundo
que se deforma y que se apaga
en una pálida ceniza vaga
que se parece al sueño y al olvido.
Voltar.
OTRO POEMA DE LOS DONES
Gracias quiero dar al divino Laberinto de los efectos y de las causas
Por la diversidad de las criaturas que forman este singular universo,
Por la razón, que no cesará de soñar con un plano del laberinto,
Por el rostro de Elena y la perseverancia de Ulises,
Por el amor, que nos deja ver a los otros como los ve la divinidad,
Por el firme diamante y el agua suelta,
Por el álgebra, palacio de precisos cristales,
Por las místicas monedas de Ángel Silesio,
Por Schopenhauer, que acaso descifró el universo,
Por el fulgor del fuego,
Que ningún ser humano puede mirar sin un asombro antiguo,
Por la caoba, el cedro y el sándalo,
Por el pan y la sal,
Por el misterio de la rosa, que prodiga color y que no lo ve,
Por ciertas vísperas y días de 1955,
Por los duros troperos que en la llanura arrean los animales y el alba,
Por la mañana en Montevideo,
Por el arte de la amistad,
Por el último día de Sócrates,
Por las palabras que en un crepúsculo se dijeron de una cruz a otra cruz,
Por aquel sueño del Islam que abarcó mil noches y una noche,
Por aquel otro sueño del infierno,
De la torre del fuego que purifica
Y de las esferas gloriosas,
Por Swedenborg, que conversaba con los ángeles en las calles de Londres,
Por los ríos secretos e inmemoriales que convergen en mí,
Por el idioma que, hace siglos, hablé en Nortumbria,
Por la espada y el arpa de los sajones,
Por el mar, que es un desierto resplandeciente
Y una cifra de cosas que no sabemos
Y un epitafio de los vikings,
Por la música verbal de Inglaterra,
Por la música verbal de Alemania,
Por el oro, que relumbra en los versos,
Por el épico invierno,
Por el nombre de un libro que no he leído: Gesta Dei per Francos,
Por Verlaine, inocente como los pájaros,
Por el prisma de cristal y la pesa de bronce,
Por las rayas del tigre,
Por las altas torres de San Francisco y de la isla de Manhattan,
Por la mañana en Texas,
Por aquel sevillano que redactó la Epístola Moral
Y cuyo nombre, como él hubiera preferido, ignoramos,
Por Séneca y Lucano, de Córdoba
Que antes del español escribieron
Toda la literatura española,
Por el geométrico y bizarro ajedrez
Por la tortuga de Zenón y el mapa de Royce,
Por el olor medicinal de los eucaliptos,
Por el lenguaje, que puede simular la sabiduría,
Por el olvido, que anula o modifica el pasado,
Por la costumbre, que nos repite y nos confirma como un espejo,
Por la mañana, que nos depara la ilusión de un principio,
Por la noche, su tiniebla y su astronomía,
Por el valor y la felicidad de los otros,
Por la patria, sentida in los jazmines, o en una vieja espada,
Por Whitman y Francisco de Asís, que ya escribieron el poema,
Por el hecho de que el poema es inagotable
Y se confunde con la suma de las criaturas
Y no llegará jamás al último verso
Y varía según los hombres,
Por Frances Haslam, que pidió perdón a sus hijos por morir tan despacio,
Por los minutos que preceden al sueño,
Por el sueño y la muerte, esos dos tesoros ocultos,
Por los íntimos dones que no enumero,
Por la música, misteriosa forma del tiempo.
Voltar..
Gracias quiero dar al divino Laberinto de los efectos y de las causas
Por la diversidad de las criaturas que forman este singular universo,
Por la razón, que no cesará de soñar con un plano del laberinto,
Por el rostro de Elena y la perseverancia de Ulises,
Por el amor, que nos deja ver a los otros como los ve la divinidad,
Por el firme diamante y el agua suelta,
Por el álgebra, palacio de precisos cristales,
Por las místicas monedas de Ángel Silesio,
Por Schopenhauer, que acaso descifró el universo,
Por el fulgor del fuego,
Que ningún ser humano puede mirar sin un asombro antiguo,
Por la caoba, el cedro y el sándalo,
Por el pan y la sal,
Por el misterio de la rosa, que prodiga color y que no lo ve,
Por ciertas vísperas y días de 1955,
Por los duros troperos que en la llanura arrean los animales y el alba,
Por la mañana en Montevideo,
Por el arte de la amistad,
Por el último día de Sócrates,
Por las palabras que en un crepúsculo se dijeron de una cruz a otra cruz,
Por aquel sueño del Islam que abarcó mil noches y una noche,
Por aquel otro sueño del infierno,
De la torre del fuego que purifica
Y de las esferas gloriosas,
Por Swedenborg, que conversaba con los ángeles en las calles de Londres,
Por los ríos secretos e inmemoriales que convergen en mí,
Por el idioma que, hace siglos, hablé en Nortumbria,
Por la espada y el arpa de los sajones,
Por el mar, que es un desierto resplandeciente
Y una cifra de cosas que no sabemos
Y un epitafio de los vikings,
Por la música verbal de Inglaterra,
Por la música verbal de Alemania,
Por el oro, que relumbra en los versos,
Por el épico invierno,
Por el nombre de un libro que no he leído: Gesta Dei per Francos,
Por Verlaine, inocente como los pájaros,
Por el prisma de cristal y la pesa de bronce,
Por las rayas del tigre,
Por las altas torres de San Francisco y de la isla de Manhattan,
Por la mañana en Texas,
Por aquel sevillano que redactó la Epístola Moral
Y cuyo nombre, como él hubiera preferido, ignoramos,
Por Séneca y Lucano, de Córdoba
Que antes del español escribieron
Toda la literatura española,
Por el geométrico y bizarro ajedrez
Por la tortuga de Zenón y el mapa de Royce,
Por el olor medicinal de los eucaliptos,
Por el lenguaje, que puede simular la sabiduría,
Por el olvido, que anula o modifica el pasado,
Por la costumbre, que nos repite y nos confirma como un espejo,
Por la mañana, que nos depara la ilusión de un principio,
Por la noche, su tiniebla y su astronomía,
Por el valor y la felicidad de los otros,
Por la patria, sentida in los jazmines, o en una vieja espada,
Por Whitman y Francisco de Asís, que ya escribieron el poema,
Por el hecho de que el poema es inagotable
Y se confunde con la suma de las criaturas
Y no llegará jamás al último verso
Y varía según los hombres,
Por Frances Haslam, que pidió perdón a sus hijos por morir tan despacio,
Por los minutos que preceden al sueño,
Por el sueño y la muerte, esos dos tesoros ocultos,
Por los íntimos dones que no enumero,
Por la música, misteriosa forma del tiempo.
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Las Causas
(Publicado em Histórias de la Noche, 1977)
Los ponientes y las generaciones.
Los días y ninguno fue el primero.
La frescura del agua en la garganta
de Adán. El ordenado Paraíso.
El ojo descifrando la tiniebla.
El amor de los lobos en el alba.
La palabra. El hexámetro. El espejo.
La Torre de Babel y la soberbia.
La luna que miraban los caldeos.
Las arenas innúmeras del Ganges.
Chuang-Tzu y la mariposa que lo sueña.
Las manzanas de oro de las islas.
Los pasos del errante laberinto.
El infinito lienzo de Penélope.
El tiempo circular de los estoicos.
La moneda en la boca del que ha muerto.
El peso de la espada en la balanza.
Cada gota de agua en la clepsidra.
Las águilas, los fastos, las legiones.
César en la mañana de Farsalia.
La sombra de las cruces en la tierra.
El ajedrez y el álgebra del persa.
Los rastros de las largas migraciones.
La conquista de reinos por la espada.
La brújula incesante. El mar abierto.
El eco del reloj en la memoria.
El rey ajusticiado por el hacha.
El polvo incalculable que fue ejércitos.
La voz del ruiseñor en Dinamarca.
La escrupulosa línea del calígrafo.
El rostro del suicida en el espejo.
El naipe del tahúr. El oro ávido.
Las formas de la nube en el desierto.
Cada arabesco del calidoscopio.
Cada remordimiento y cada lágrima.
Se precisaron todas esas cosas
para que nuestras manos se encontraran
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(Publicado em Histórias de la Noche, 1977)
Los ponientes y las generaciones.
Los días y ninguno fue el primero.
La frescura del agua en la garganta
de Adán. El ordenado Paraíso.
El ojo descifrando la tiniebla.
El amor de los lobos en el alba.
La palabra. El hexámetro. El espejo.
La Torre de Babel y la soberbia.
La luna que miraban los caldeos.
Las arenas innúmeras del Ganges.
Chuang-Tzu y la mariposa que lo sueña.
Las manzanas de oro de las islas.
Los pasos del errante laberinto.
El infinito lienzo de Penélope.
El tiempo circular de los estoicos.
La moneda en la boca del que ha muerto.
El peso de la espada en la balanza.
Cada gota de agua en la clepsidra.
Las águilas, los fastos, las legiones.
César en la mañana de Farsalia.
La sombra de las cruces en la tierra.
El ajedrez y el álgebra del persa.
Los rastros de las largas migraciones.
La conquista de reinos por la espada.
La brújula incesante. El mar abierto.
El eco del reloj en la memoria.
El rey ajusticiado por el hacha.
El polvo incalculable que fue ejércitos.
La voz del ruiseñor en Dinamarca.
La escrupulosa línea del calígrafo.
El rostro del suicida en el espejo.
El naipe del tahúr. El oro ávido.
Las formas de la nube en el desierto.
Cada arabesco del calidoscopio.
Cada remordimiento y cada lágrima.
Se precisaron todas esas cosas
para que nuestras manos se encontraran
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- A Biblioteca de Babel
- La Biblioteca de Babel
- La vindicácion de la cábala
- Do culto aos livros
- Del culto de los libros
.
|
By this art you may contemplate the variation of the 23 leters...
(which may be so infinitely varied, that the words complicated and deduced thence will not be contained within the compass of the firmament)) The Anatomy of Melancholy, part. 2. Sec. II, memb. IV. Robert Burton |
O Universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente.
A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal.
Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé; outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito.
No vestíbulo ha um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para quê essa duplicação ilusória?), prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito…
A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é insuficiente, incessante. Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos; agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer; a poucas léguas do hexágono em que nasci.
Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita. Afirmo que a Biblioteca é interminável.
Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço. Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus). Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: “A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível”.
A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta.
Também há letras no dorso de cada livro; essas letras não indicam ou prefiguram o que dirão as páginas. Sei que essa inconexão, certa vez, pareceu misteriosa. Antes de resumir a solução (cuja descoberta, apesar de suas trágicas projeções, é talvez o fato capital da história), quero rememorar alguns axiomas.
O primeiro: a Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiurgos malévolos; o Universo, com seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante e de latrinas para o bibliotecário sentado, somente pode ser obra de um deus.
Para perceber a distância que há entre o divino e o humano, basta comparar esses rudes símbolos trémulos que minha falível mão garatuja na capa de um livro, com as letras orgânicas do interior: pontuais, delicadas, negríssimas, inimitavelmente simétricas.
O segundo: O número de símbolos ortográficos é vinte e cinco[1]. Essa comprovação permitiu, depois de trezentos anos, formular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma conjectura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros.
Um, que meu pai viu em um hexágono do circuito quinze noventa e quatro, constava das letras M C V perversamente repetidas da primeira linha ate à última. Outro (muito consultado nesta área) é um simples labirinto de letras, mas a página penúltima diz Oh, tempo tuas pirâmides.
Já se sabe: para uma linha razoável com uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de incoerências. (Sei de uma região montanhosa cujos bibliotecários repudiam o supersticioso e vão costume de procurar sentido nos livros e o equiparam ao de procurá-lo nos sonhos ou nas linhas caóticas da mão… Admitem que os inventores da escrita imitaram os vinte e cinco símbolos naturais, mas sustentam que essa aplicação é casual, e que os livros em si nada significam. Esse ditame, já veremos, não é completamente falaz).
Durante muito tempo, acreditou-se que esses livros impenetráveis correspondiam a línguas pretéritas ou remotas. É verdade que os homens mais antigos, os primeiros bibliotecários, usavam uma linguagem assaz diferente da que falamos agora; é verdade que algumas milhas à direita a língua é dialetal e que noventa andares mais acima é incompreensível.
Tudo isso, repito-o, é verdade, mas quatrocentas e dez páginas de inalteráveis M C V não podem corresponder a nenhum idioma, por dialetal ou rudimentar que seja. Uns insinuaram que cada letra podia influir na subsequente e que o valor de M C V na terceira linha da página 71 não era o que pode ter a mesma série noutra posição de outra página, mas essa vaga tese não prosperou. Outros pensaram em criptografias; universalmente essa conjectura foi aceite, ainda que não no sentido em que a formularam seus inventores.
Há quinhentos anos, o chefe de um hexágono superior[2] deparou com um livro tão confuso quanto os outros, porém que possuía quase duas folhas de linhas homogêneas. Mostrou o seu achado a um decifrador ambulante, que lhe disse que estavam redigidas em português; outros lhe afirmaram que em iídiche. Antes de um século pôde ser estabelecido o idioma: um dialeto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico.
Também decifrou-se o conteúdo: noções de análise combinatória, ilustradas por exemplos de variantes com repetição ilimitada. Esses exemplos permitiram que um bibliotecário de gênio descobrisse a lei fundamental da Biblioteca. Esse pensador observou que todos os livros, por diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula as vinte e duas letras do alfabeto.
Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram: “Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos”. Dessas premissas incontrovertível deduziu que a Biblioteca é total e que suas prateleiras registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos ortográficos (numero, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o que é dado expressar: em todos os idiomas.
Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpolações de cada livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.
Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloquente solução não existisse: em algum hexágono. o Universo estava justificado, o Universo bruscamente usurpou as dimensões ilimitadas da esperança.
Naquele tempo falou-se muito das Vindicações: livros de apologia e de profecia, que para sempre vindicavam os actos de cada homem do Universo e guardavam arcanos prodigiosos para seu futuro. Milhares de cobiçosos abandonaram o doce hexágono natal e precipitaram-se escadas acima, premidos pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação.
Esses peregrinos disputavam nos corredores estreitos, proferiam obscuras maldições, estrangulavam-se nas escadas divinas, jogavam os livros enganosos no fundo dos túneis, morriam despenhados pelos homens de regiões remotas. Outros enlouqueceram… As Vindicações existem (vi duas que se referem a pessoas do futuro, a pessoas talvez não imaginárias) mas os que procuravam não recordavam que a possibilidade de que um homem encontre a sua, ou alguma pérfida variante da sua, é computável em zero.
Também se esperou então o esclarecimento dos mistérios básicos da humanidade: a origem da Biblioteca e do tempo. É verosímil que esses graves mistérios possam explicar-se em palavras: se não bastar a linguagem dos filósofos, a multiforme Biblioteca produzirá o idioma inaudito que se requer e os vocabulários e gramáticas desse idioma. Faz já quatro séculos que os homens esgotam os hexágonos…
Existem investigadores oficiais, inquisidores. Eu os vi no desempenho de sua função: chegam sempre estafados; falam de uma escada sem degraus que quase os matou; falam de galerias e de escadas com o bibliotecário; ás vezes, pegam o livro mais próximo e o folheiam, á procura de palavras infames. Visivelmente, ninguém espera descobrir nada.
A desmedida esperança, sucedeu, como e natural, uma depressão excessiva. A certeza de que alguma prateleira em algum hexágono encerrava livros preciosos e de que esses livros preciosos eram inacessíveis afigurou-se quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que cessassem as buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até construir, mediante um improvável dom do acaso, esses livros canônicos.
As autoridades viram-se obrigadas a promulgar ordens severas. A seita desapareceu, mas na minha infância vi homens velhos que demoradamente se ocultavam nas latrinas, com alguns discos de metal num fruto proibido, e debilmente arremedavam a divina desordem.
Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões de livros. Seu nome é execrado, mas aqueles que deploram os “tesouros” destruídos por seu frenesi negligenciam dois fatos notórios.
Um: a Biblioteca é tão imensa que toda redução de origem humana resulta infinitesimal. Outro: cada exemplar é único, insubstituível, mas (como a Biblioteca é total) há sempre várias centenas de milhares de fac-símiles imperfeitos: de obras que apenas diferem por uma letra ou por uma vírgula. Contra a opinião geral, atrevo-me a supor que as consequências das depredações cometidas pelos Purificadores foram exageradas graças ao horror que esses fanáticos provocaram. Urgia-lhes o delírio de conquistar os livros do Hexágono Carmesim: livros de formato menor que os naturais; onipotentes, ilustrados e mágicos.
Também sabemos de outra superstição daquele tempo: a do Homem do Livro. Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus.
Na linguagem desta área persistem ainda vestígios do culto desse funcionário remoto. Muitos peregrinaram a procura d’Ele. Durante um século trilharam em vão os mais diversos rumos. Como localizar o venerado hexágono secreto que o hospedava? alguém propôs um método regressivo: Para localizar o livro A, consultar previamente um livro B, que indique o lugar de A; para localizar o livro B, consultar previamente um livro C, e assim até o infinito…
Em aventuras como essas, prodigalizei e consumi meus anos. Não me parece inverosímil que em alguma prateleira do Universo haja um livro total; rogo aos deuses ignorados que um homem – um só, ainda que seja há mil anos! – o tenha examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não estão para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, embora meu lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser, Tua enorme Biblioteca Se justifique.
Afirmam os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e que o razoável (e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção. Falam (eu o sei) de “a Biblioteca febril, cujos fortuitos volumes correm o incessante risco de transformar-se em outros e que tudo afirmam, negam e confundem como uma divindade que delira”.
Essas palavras, que não apenas denunciam a desordem mas que também a exemplificam, provam, evidentemente, seu gosto péssimo e sua desesperada ignorância. De fato, a Biblioteca inclui todas as estruturas verbais, todas as variantes que permitem os vinte e cinco símbolos ortográficos, porém nem um único disparate absoluto. Inútil observar que o melhor volume dos muitos hexágonos que administro intitula-se Trono Penteado, e outro " A Cãibra de Gesso" e outro "Axaxaxas mlo".
Essas proposições, à primeira vista incoerentes, sem dúvida são passíveis de uma justificativa criptográfica ou alegórica; essa justificativa é verbal e, ex hypothesi, já figura na Biblioteca. Não posso combinar certos caracteres que a divina Biblioteca não tenha previsto e que em alguma de suas línguas secretas não contenham um terrível sentido. Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e de temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias.
Esta epístola inútil e palavrosa já existe num dos trinta volumes das cinco prateleiras de um dos incontáveis hexágonos – e também sua refutação. (Um número n de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; em alguns, o símbolo biblioteca admite a correta definição ubíquo e perdurável sistema de galerias hexagonais, mas biblioteca é pão ou pirâmide ou qualquer outra coisa, e as sete palavras que a definem tem outro valor. Você, que me lê, tem certeza de entender minha linguagem?)
A escrita metódica distrai-me da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos fantasmagórica. Conheço distritos em que os jovens se prostram diante dos livros e beijam com barbárie as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra.
As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que inevitavelmente degeneram em bandoleirismo, dizimaram a população. Acredito ter mencionado os suicídios, cada ano mais frequentes. Talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana – a única – está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.
Acabo de escrever infinita. Não interpolei esse adjetivo por costume retórico; digo que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Aqueles que o julgam limitado postulam que em lugares remotos os corredores e escadas e hexágonos podem inconcebivelmente cessar – o que é absurdo. Aqueles que o imaginam sem limites esquecem que os abrange o número possível de livros.
Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança.
[1] expressão popular para resplendor.
[2] Mesmo que gupiara, depósito de diamantes.
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A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal.
Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé; outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito.
No vestíbulo ha um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para quê essa duplicação ilusória?), prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito…
A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é insuficiente, incessante. Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos; agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer; a poucas léguas do hexágono em que nasci.
Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita. Afirmo que a Biblioteca é interminável.
Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço. Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus). Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: “A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível”.
A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta.
Também há letras no dorso de cada livro; essas letras não indicam ou prefiguram o que dirão as páginas. Sei que essa inconexão, certa vez, pareceu misteriosa. Antes de resumir a solução (cuja descoberta, apesar de suas trágicas projeções, é talvez o fato capital da história), quero rememorar alguns axiomas.
O primeiro: a Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiurgos malévolos; o Universo, com seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante e de latrinas para o bibliotecário sentado, somente pode ser obra de um deus.
Para perceber a distância que há entre o divino e o humano, basta comparar esses rudes símbolos trémulos que minha falível mão garatuja na capa de um livro, com as letras orgânicas do interior: pontuais, delicadas, negríssimas, inimitavelmente simétricas.
O segundo: O número de símbolos ortográficos é vinte e cinco[1]. Essa comprovação permitiu, depois de trezentos anos, formular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma conjectura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros.
Um, que meu pai viu em um hexágono do circuito quinze noventa e quatro, constava das letras M C V perversamente repetidas da primeira linha ate à última. Outro (muito consultado nesta área) é um simples labirinto de letras, mas a página penúltima diz Oh, tempo tuas pirâmides.
Já se sabe: para uma linha razoável com uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de incoerências. (Sei de uma região montanhosa cujos bibliotecários repudiam o supersticioso e vão costume de procurar sentido nos livros e o equiparam ao de procurá-lo nos sonhos ou nas linhas caóticas da mão… Admitem que os inventores da escrita imitaram os vinte e cinco símbolos naturais, mas sustentam que essa aplicação é casual, e que os livros em si nada significam. Esse ditame, já veremos, não é completamente falaz).
Durante muito tempo, acreditou-se que esses livros impenetráveis correspondiam a línguas pretéritas ou remotas. É verdade que os homens mais antigos, os primeiros bibliotecários, usavam uma linguagem assaz diferente da que falamos agora; é verdade que algumas milhas à direita a língua é dialetal e que noventa andares mais acima é incompreensível.
Tudo isso, repito-o, é verdade, mas quatrocentas e dez páginas de inalteráveis M C V não podem corresponder a nenhum idioma, por dialetal ou rudimentar que seja. Uns insinuaram que cada letra podia influir na subsequente e que o valor de M C V na terceira linha da página 71 não era o que pode ter a mesma série noutra posição de outra página, mas essa vaga tese não prosperou. Outros pensaram em criptografias; universalmente essa conjectura foi aceite, ainda que não no sentido em que a formularam seus inventores.
Há quinhentos anos, o chefe de um hexágono superior[2] deparou com um livro tão confuso quanto os outros, porém que possuía quase duas folhas de linhas homogêneas. Mostrou o seu achado a um decifrador ambulante, que lhe disse que estavam redigidas em português; outros lhe afirmaram que em iídiche. Antes de um século pôde ser estabelecido o idioma: um dialeto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico.
Também decifrou-se o conteúdo: noções de análise combinatória, ilustradas por exemplos de variantes com repetição ilimitada. Esses exemplos permitiram que um bibliotecário de gênio descobrisse a lei fundamental da Biblioteca. Esse pensador observou que todos os livros, por diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula as vinte e duas letras do alfabeto.
Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram: “Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos”. Dessas premissas incontrovertível deduziu que a Biblioteca é total e que suas prateleiras registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos ortográficos (numero, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o que é dado expressar: em todos os idiomas.
Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpolações de cada livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.
Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloquente solução não existisse: em algum hexágono. o Universo estava justificado, o Universo bruscamente usurpou as dimensões ilimitadas da esperança.
Naquele tempo falou-se muito das Vindicações: livros de apologia e de profecia, que para sempre vindicavam os actos de cada homem do Universo e guardavam arcanos prodigiosos para seu futuro. Milhares de cobiçosos abandonaram o doce hexágono natal e precipitaram-se escadas acima, premidos pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação.
Esses peregrinos disputavam nos corredores estreitos, proferiam obscuras maldições, estrangulavam-se nas escadas divinas, jogavam os livros enganosos no fundo dos túneis, morriam despenhados pelos homens de regiões remotas. Outros enlouqueceram… As Vindicações existem (vi duas que se referem a pessoas do futuro, a pessoas talvez não imaginárias) mas os que procuravam não recordavam que a possibilidade de que um homem encontre a sua, ou alguma pérfida variante da sua, é computável em zero.
Também se esperou então o esclarecimento dos mistérios básicos da humanidade: a origem da Biblioteca e do tempo. É verosímil que esses graves mistérios possam explicar-se em palavras: se não bastar a linguagem dos filósofos, a multiforme Biblioteca produzirá o idioma inaudito que se requer e os vocabulários e gramáticas desse idioma. Faz já quatro séculos que os homens esgotam os hexágonos…
Existem investigadores oficiais, inquisidores. Eu os vi no desempenho de sua função: chegam sempre estafados; falam de uma escada sem degraus que quase os matou; falam de galerias e de escadas com o bibliotecário; ás vezes, pegam o livro mais próximo e o folheiam, á procura de palavras infames. Visivelmente, ninguém espera descobrir nada.
A desmedida esperança, sucedeu, como e natural, uma depressão excessiva. A certeza de que alguma prateleira em algum hexágono encerrava livros preciosos e de que esses livros preciosos eram inacessíveis afigurou-se quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que cessassem as buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até construir, mediante um improvável dom do acaso, esses livros canônicos.
As autoridades viram-se obrigadas a promulgar ordens severas. A seita desapareceu, mas na minha infância vi homens velhos que demoradamente se ocultavam nas latrinas, com alguns discos de metal num fruto proibido, e debilmente arremedavam a divina desordem.
Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões de livros. Seu nome é execrado, mas aqueles que deploram os “tesouros” destruídos por seu frenesi negligenciam dois fatos notórios.
Um: a Biblioteca é tão imensa que toda redução de origem humana resulta infinitesimal. Outro: cada exemplar é único, insubstituível, mas (como a Biblioteca é total) há sempre várias centenas de milhares de fac-símiles imperfeitos: de obras que apenas diferem por uma letra ou por uma vírgula. Contra a opinião geral, atrevo-me a supor que as consequências das depredações cometidas pelos Purificadores foram exageradas graças ao horror que esses fanáticos provocaram. Urgia-lhes o delírio de conquistar os livros do Hexágono Carmesim: livros de formato menor que os naturais; onipotentes, ilustrados e mágicos.
Também sabemos de outra superstição daquele tempo: a do Homem do Livro. Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus.
Na linguagem desta área persistem ainda vestígios do culto desse funcionário remoto. Muitos peregrinaram a procura d’Ele. Durante um século trilharam em vão os mais diversos rumos. Como localizar o venerado hexágono secreto que o hospedava? alguém propôs um método regressivo: Para localizar o livro A, consultar previamente um livro B, que indique o lugar de A; para localizar o livro B, consultar previamente um livro C, e assim até o infinito…
Em aventuras como essas, prodigalizei e consumi meus anos. Não me parece inverosímil que em alguma prateleira do Universo haja um livro total; rogo aos deuses ignorados que um homem – um só, ainda que seja há mil anos! – o tenha examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não estão para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, embora meu lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser, Tua enorme Biblioteca Se justifique.
Afirmam os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e que o razoável (e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção. Falam (eu o sei) de “a Biblioteca febril, cujos fortuitos volumes correm o incessante risco de transformar-se em outros e que tudo afirmam, negam e confundem como uma divindade que delira”.
Essas palavras, que não apenas denunciam a desordem mas que também a exemplificam, provam, evidentemente, seu gosto péssimo e sua desesperada ignorância. De fato, a Biblioteca inclui todas as estruturas verbais, todas as variantes que permitem os vinte e cinco símbolos ortográficos, porém nem um único disparate absoluto. Inútil observar que o melhor volume dos muitos hexágonos que administro intitula-se Trono Penteado, e outro " A Cãibra de Gesso" e outro "Axaxaxas mlo".
Essas proposições, à primeira vista incoerentes, sem dúvida são passíveis de uma justificativa criptográfica ou alegórica; essa justificativa é verbal e, ex hypothesi, já figura na Biblioteca. Não posso combinar certos caracteres que a divina Biblioteca não tenha previsto e que em alguma de suas línguas secretas não contenham um terrível sentido. Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e de temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias.
Esta epístola inútil e palavrosa já existe num dos trinta volumes das cinco prateleiras de um dos incontáveis hexágonos – e também sua refutação. (Um número n de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; em alguns, o símbolo biblioteca admite a correta definição ubíquo e perdurável sistema de galerias hexagonais, mas biblioteca é pão ou pirâmide ou qualquer outra coisa, e as sete palavras que a definem tem outro valor. Você, que me lê, tem certeza de entender minha linguagem?)
A escrita metódica distrai-me da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos fantasmagórica. Conheço distritos em que os jovens se prostram diante dos livros e beijam com barbárie as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra.
As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que inevitavelmente degeneram em bandoleirismo, dizimaram a população. Acredito ter mencionado os suicídios, cada ano mais frequentes. Talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana – a única – está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.
Acabo de escrever infinita. Não interpolei esse adjetivo por costume retórico; digo que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Aqueles que o julgam limitado postulam que em lugares remotos os corredores e escadas e hexágonos podem inconcebivelmente cessar – o que é absurdo. Aqueles que o imaginam sem limites esquecem que os abrange o número possível de livros.
Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança.
[1] expressão popular para resplendor.
[2] Mesmo que gupiara, depósito de diamantes.
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La Biblioteca de Babel
Ficciones 1941
El universo (que otros llaman la Biblioteca) se componte de un número indefinido, y tal vez infinito, de galerías hexagonales, con vastos pozos de ventilación en el medio, cercados por barandas bajísimas. Desde cualquier hexágono se ven los pisos inferiores y superiores: interminablemente. La distribución de las galerías es invariable. Veinte anaqueles, a cinco largos anaqueles por lado, cubren todos los lados menos dos; su altura, que es la de los pisos, excede apenas la de un bibliotecario normal. Una de las caras libres da a un angosto zaguán, que desemboca en otra galería, idéntica a la primera y a todas. A izquierda y a derecha del zaguán hay dos gabinetes minúsculos. Uno permite dormir de pie; otro, satisfacer las necesidades finales. Por ahí pasa la escalera espiral, que se abisma y se eleva hacia lo remoto. En el zaguán hay un espejo, que fielmente duplica las apariencias. Los hombres suelen inferir de ese espejo que la Biblioteca no es infinita (si lo fuera realmente ¿a qué esa duplicación ilusoria?); yo prefiero soñar que las superficies bruñidas figuran y prometen el infinito... La luz procede de unas frutas esféricas que llevan el nombre de lámparas. Hay dos en cada hexágono: transversales. La luz que emiten es insuficiente, incesante.
Como todos los hombres de la Biblioteca, he viajado en mi juventud; he peregrinado en busca de un libro, acaso del catálogo de catálogos; ahora que mis ojos casi no pueden descifrar lo que escribo, me preparo a morir a unas pocas leguas del hexágono en que nací. Muerto, no faltarán manos piadosas que me tiren por la baranda; mi sepultura será el aire insondable; mi cuerpo se hundirá largamente y se corromperá y disolverá en el viento engendrado por la caída, que es infinita. Yo afirmo que la Biblioteca es interminable. Los idealistas arguyen que las salas hexagonales son una forma necesaria del espacio absoluto o, por lo menos, de nuestra intuición del espacio. Razonan que es inconcebible una sala triangular o pentagonal. (Los místicos pretenden que el éxtasis les revela una cámara circular con un gran libro circular de lomo continuo, que da toda la vuelta de las paredes; pero su testimonio es sospechoso; sus palabras, oscuras. Ese libro cíclico es Dios.) Básteme, por ahora, repetir el dictamen clásico: La Biblioteca es una esfera cuyo centro cabal es cualquier hexágono, cuya circunferencia es inaccesible.
A cada uno de los muros de cada hexágono corresponden cinco anaqueles; cada anaquel encierra treinta y dos libros de formato uniforme; cada libro es de cuatrocientas diez páginas; cada página, de cuarenta renglones; cada renglón, de unas ochenta letras de color negro. También hay letras en el dorso de cada libro; esas letras no indican o prefiguran lo que dirán las páginas. Sé que esa inconexión, alguna vez, pareció misteriosa. Antes de resumir la solución (cuyo descubrimiento, a pesar de sus trágicas proyecciones, es quizá el hecho capital de la historia) quiero rememorar algunos axiomas.
El primero: La Biblioteca existe ab alterno. De esa verdad cuyo colorario inmediato es la eternidad futura del mundo, ninguna mente razonable puede dudar. El hombre, el imperfecto bibliotecario, puede ser obra del azar o de los demiurgos malévolos; el universo, con su elegante dotación de anaqueles, de tomos enigmáticos, de infatigables escaleras para el viajero y de letrinas para el bibliotecario sentado, sólo puede ser obra de un dios. Para percibir la distancia que hay entre lo divino y lo humano, basta comparar estos rudos símbolos trémulos que mi falible mano garabatea en la tapa de un libro, con las letras orgánicas del interior: puntuales, delicadas, negrísimas, inimitablemente simétricas.
El segundo: El número de símbolos ortográficos es veinticinco. Esa comprobación permitió, hace trescientos años, formular una teoría general de la Biblioteca y resolver satisfactoriamente el problema que ninguna conjetura había descifrado: la naturaleza informe y caótica de casi todos los libros. Uno, que mi padre vio en un hexágono del circuito quince noventa y cuatro, constaba de las letras MCV perversamente repetidas desde el renglón primero hasta el último. Otro (muy consultado en esta zona) es un mero laberinto de letras, pero la página penúltima dice «Oh tiempo tus pirámides». Ya se sabe: por una línea razonable o una recta noticia hay leguas de insensatas cacofonías, de fárragos verbales y de incoherencias. (Yo sé de una región cerril cuyos bibliotecarios repudian la supersticiosa y vana costumbre de buscar sentido en los libros y la equiparan a la de buscarlo en los sueños o en las líneas caóticas de la mano... Admiten que los inventores de la escritura imitaron los veinticinco símbolos naturales, pero sostienen que esa aplicación es casual y que los libros nada significan en sí. Ese dictamen, ya veremos no es del todo falaz.)
Durante mucho tiempo se creyó que esos libros impenetrables correspondían a lenguas pretéritas o remotas. Es verdad que los hombres más antiguos, los primeros bibliotecarios, usaban un lenguaje asaz diferente del que hablamos ahora; es verdad que unas millas a la derecha la lengua es dialectal y que noventa pisos más arriba, es incomprensible. Todo eso, lo repito, es verdad, pero cuatrocientas diez páginas de inalterables MCV no pueden corresponder a ningún idioma, por dialectal o rudimentario que sea. Algunos insinuaron que cada letra podía influir en la subsiguiente y que el valor de MCV en la tercera línea de la página 71 no era el que puede tener la misma serie en otra posición de otra página, pero esa vaga tesis no prosperó. Otros pensaron en criptografías; universalmente esa conjetura ha sido aceptada, aunque no en el sentido en que la formularon sus inventores.
Hace quinientos años, el jefe de un hexágono superior dio con un libro tan confuso como los otros, pero que tenía casi dos hojas de líneas homogéneas. Mostró su hallazgo a un descifrador ambulante, que le dijo que estaban redactadas en portugués; otros le dijeron que en yiddish. Antes de un siglo pudo establecerse el idioma: un dialecto samoyedo-lituano del guaraní, con inflexiones de árabe clásico. También se descifró el contenido: nociones de análisis combinatorio, ilustradas por ejemplos de variaciones con repetición ilimitada. Esos ejemplos permitieron que un bibliotecario de genio descubriera la ley fundamental de la Biblioteca. Este pensador observó que todos los libros, por diversos que sean, constan de elementos iguales: el espacio, el punto, la coma, las veintidós letras del alfabeto. También alegó un hecho que todos los viajeros han confirmado: No hay en la vasta Biblioteca, dos libros idénticos. De esas premisas incontrovertibles dedujo que la Biblioteca es total y que sus anaqueles registran todas las posibles combinaciones de los veintitantos símbolos ortográficos (número, aunque vastísimo, no infinito) o sea todo lo que es dable expresar: en todos los idiomas. Todo: la historia minuciosa del porvenir, las autobiografías de los arcángeles, el catálogo fiel de la Biblioteca, miles y miles de catálogos falsos, la demostración de la falacia de esos catálogos, la demostración de la falacia del catálogo verdadero, el evangelio gnóstico de Basilides, el comentario de ese evangelio, el comentario del comentario de ese evangelio, la relación verídica de tu muerte, la versión de cada libro a todas las lenguas, las interpolaciones de cada libro en todos los libros, el tratado que Beda pudo escribir (y no escribió) sobre la mitología de los sajones, los libros perdidos de Tácito.
Cuando se proclamó que la Biblioteca abarcaba todos los libros, la primera impresión fue de extravagante felicidad. Todos los hombres se sintieron señores de un tesoro intacto y secreto. No había problema personal o mundial cuya elocuente solución no existiera: en algún hexágono. El universo estaba justificado, el universo bruscamente usurpó las dimensiones ilimitadas de la esperanza. En aquel tiempo se habló mucho de las Vindicaciones: libros de apología y de profecía, que para siempre vindicaban los actos de cada hombre del universo y guardaban arcanos prodigiosos para su porvenir. Miles de codiciosos abandonaron el dulce hexágono natal y se lanzaron escaleras arriba, urgidos por el vano propósito de encontrar su Vindicación. Esos peregrinos disputaban en los corredores estrechos, proferían oscuras maldiciones, se estrangulaban en las escaleras divinas, arrojaban los libros engañosos al fondo de los túneles, morían despeñados por los hombres de regiones remotas. Otros se enloquecieron... Las Vindicaciones existen (yo he visto dos que se refieren a personas del porvenir, a personas acaso no imaginarias) pero los buscadores no recordaban que la posibilidad de que un hombre encuentre la suya, o alguna pérfida variación de la suya, es computable en cero.
También se esperó entonces la aclaración de los misterios básicos de la humanidad: el origen de la Biblioteca y del tiempo. Es verosímil que esos graves misterios puedan explicarse en palabras: si no basta el lenguaje de los filósofos, la multiforme Biblioteca habrá producido el idioma inaudito que se requiere y los vocabularios y gramáticas de ese idioma. Hace ya cuatro siglos que los hombres fatigan los hexágonos... Hay buscadores oficiales, inquisidores. Yo los he visto en el desempeño de su función: llegan siempre rendidos; hablan de una escalera sin peldaños que casi los mató; hablan de galerías y de escaleras con el bibliotecario; alguna vez, toman el libro más cercano y lo hojean, en busca de palabras infames. Visiblemente, nadie espera descubrir nada.
A la desaforada esperanza, sucedió, como es natural, una depresión excesiva. La certidumbre de que algún anaquel en algún hexágono encerraba libros preciosos y de que esos libros preciosos eran inaccesibles, pareció casi intolerable. Una secta blasfema sugirió que cesaran las buscas y que todos los hombres barajaran letras y símbolos, hasta construir, mediante un improbable don del azar, esos libros canónicos. Las autoridades se vieron obligadas a promulgar órdenes severas. La secta desapareció, pero en mi niñez he visto hombres viejos que largamente se ocultaban en las letrinas, con unos discos de metal en un cubilete prohibido, y débilmente remedaban el divino desorden.
Otros, inversamente, creyeron que lo primordial era eliminar las obras inútiles. Invadían los hexágonos, exhibían credenciales no siempre falsas, hojeaban con fastidio un volumen y condenaban anaqueles enteros: a su furor higiénico, ascético, se debe la insensata perdición de millones de libros. Su nombre es execrado, pero quienes deploran los «tesoros» que su frenesí destruyó, negligen dos hechos notorios. Uno: la Biblioteca es tan enorme que toda reducción de origen humano resulta infinitesimal. Otro: cada ejemplar es único, irreemplazable, pero (como la Biblioteca es total) hay siempre varios centenares de miles de facsímiles imperfectos: de obras que no difieren sino por una letra o por una coma. Contra la opinión general, me atrevo a suponer que las consecuencias de las depredaciones cometidas por los Purificadores, han sido exageradas por el horror que esos fanáticos provocaron. Los urgía el delirio de conquistar los libros del Hexágono Carmesí: libros de formato menor que los naturales; omnipotentes, ilustrados y mágicos.
También sabemos de otra superstición de aquel tiempo: la del Hombre del Libro. En algún anaquel de algún hexágono (razonaron los hombres) debe existir un libro que sea la cifra y el compendio perfecto de todos los demás: algún bibliotecario lo ha recorrido y es análogo a un dios. En el lenguaje de esta zona persisten aún vestigios del culto de ese funcionario remoto. Muchos peregrinaron en busca de Él. Durante un siglo fatigaron en vano los más diversos rumbos. ¿Cómo localizar el venerado hexágono secreto que lo hospedaba? Alguien propuso un método regresivo: Para localizar el libro A, consultar previamente un libro B que indique el sitio de A; para localizar el libro B, consultar previamente un libro C, y así hasta lo infinito... En aventuras de ésas, he prodigado y consumido mis años. No me parece inverosímil que en algún anaquel del universo haya un libro total; ruego a los dioses ignorados que un hombre - ¡uno solo, aunque sea, hace miles de años! - lo haya examinado y leído. Si el honor y la sabiduría y la felicidad no son para mí, que sean para otros. Que el cielo exista, aunque mi lugar sea el infierno. Que yo sea ultrajado y aniquilado, pero que en un instante, en un ser, Tu enorme Biblioteca se justifique.
Afirman los impíos que el disparate es normal en la Biblioteca y que lo razonable (y aun la humilde y pura coherencia) es una casi milagrosa excepción. Hablan (lo sé) de «la Biblioteca febril, cuyos azarosos volúmenes corren el incesante albur de cambiarse en otros y que todo lo afirman, lo niegan y lo confunden como una divinidad que delira». Esas palabras que no sólo denuncian el desorden sino que lo ejemplifican también, notoriamente prueban su gusto pésimo y su desesperada ignorancia. En efecto, la Biblioteca incluye todas las estructuras verbales, todas las variaciones que permiten los veinticinco símbolos ortográficos, pero no un solo disparate absoluto. Inútil observar que el mejor volumen de los muchos hexágonos que administro se titula «Trueno peinado», y otro «El calambre de yeso» y otro «Axaxaxas mlo». Esas proposiciones, a primera vista incoherentes, sin duda son capaces de una justificación criptográfica o alegórica; esa justificación es verbal y, ex hypothesi, ya figura en la Biblioteca. No puedo combinar unos caracteres dhcmrlchtdj que la divina Biblioteca no haya previsto y que en alguna de sus lenguas secretas no encierren un terrible sentido. Nadie puede articular una sílaba que no esté llena de ternuras y de temores; que no sea en alguno de esos lenguajes el nombre poderoso de un dios. Hablar es incurrir en tautologías. Esta epístola inútil y palabrera ya existe en uno de los treinta volúmenes de los cinco anaqueles de uno de los incontables hexágonos, y también su refutación. (Un número n de lenguajes posibles usa el mismo vocabulario; en algunos, el símbolo biblioteca admite la correcta definición ubicuo y perdurable sistema de galerías hexagonales, pero biblioteca es pan o pirámide o cualquier otra cosa, y las siete palabras que la definen tienen otro valor. Tú, que me lees, ¿estás seguro de entender mi lenguaje?).
La escritura metódica me distrae de la presente condición de los hombres. La certidumbre de que todo está escrito nos anula o nos afantasma. Yo conozco distritos en que los jóvenes se prosternan ante los libros y besan con barbarie las páginas, pero no saben descifrar una sola letra. Las epidemias, las discordias heréticas, las peregrinaciones que inevitablemente degeneran en bandolerismo, han diezmado la población. Creo haber mencionado los suicidios, cada año más frecuentes. Quizá me engañen la vejez y el temor, pero sospecho que la especie humana - la única - está por extinguirse y que la Biblioteca perdurará: iluminada, solitaria, infinita, perfectamente inmóvil, armada de volúmenes preciosos, inútil, incorruptible, secreta.
Acabo de escribir infinita. No he interpolado ese adjetivo por una costumbre retórica; digo que no es ilógico pensar que el mundo es infinito. Quienes lo juzgan limitado, postulan que en lugares remotos los corredores y escaleras y hexágonos pueden inconcebiblemente cesar, lo cual es absurdo. Quienes la imaginan sin límites, olvidan que los tiene el número posible de libros. Yo me atrevo a insinuar esta solución del antiguo problema: La biblioteca es ilimitada y periódica. Si un eterno viajero la atravesara en cualquier dirección, comprobaría al cabo de los siglos que los mismos volúmenes se repiten en el mismo desorden (que, repetido, sería un orden: el Orden). Mi soledad se alegra con esa elegante esperanza.
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Ficciones 1941
El universo (que otros llaman la Biblioteca) se componte de un número indefinido, y tal vez infinito, de galerías hexagonales, con vastos pozos de ventilación en el medio, cercados por barandas bajísimas. Desde cualquier hexágono se ven los pisos inferiores y superiores: interminablemente. La distribución de las galerías es invariable. Veinte anaqueles, a cinco largos anaqueles por lado, cubren todos los lados menos dos; su altura, que es la de los pisos, excede apenas la de un bibliotecario normal. Una de las caras libres da a un angosto zaguán, que desemboca en otra galería, idéntica a la primera y a todas. A izquierda y a derecha del zaguán hay dos gabinetes minúsculos. Uno permite dormir de pie; otro, satisfacer las necesidades finales. Por ahí pasa la escalera espiral, que se abisma y se eleva hacia lo remoto. En el zaguán hay un espejo, que fielmente duplica las apariencias. Los hombres suelen inferir de ese espejo que la Biblioteca no es infinita (si lo fuera realmente ¿a qué esa duplicación ilusoria?); yo prefiero soñar que las superficies bruñidas figuran y prometen el infinito... La luz procede de unas frutas esféricas que llevan el nombre de lámparas. Hay dos en cada hexágono: transversales. La luz que emiten es insuficiente, incesante.
Como todos los hombres de la Biblioteca, he viajado en mi juventud; he peregrinado en busca de un libro, acaso del catálogo de catálogos; ahora que mis ojos casi no pueden descifrar lo que escribo, me preparo a morir a unas pocas leguas del hexágono en que nací. Muerto, no faltarán manos piadosas que me tiren por la baranda; mi sepultura será el aire insondable; mi cuerpo se hundirá largamente y se corromperá y disolverá en el viento engendrado por la caída, que es infinita. Yo afirmo que la Biblioteca es interminable. Los idealistas arguyen que las salas hexagonales son una forma necesaria del espacio absoluto o, por lo menos, de nuestra intuición del espacio. Razonan que es inconcebible una sala triangular o pentagonal. (Los místicos pretenden que el éxtasis les revela una cámara circular con un gran libro circular de lomo continuo, que da toda la vuelta de las paredes; pero su testimonio es sospechoso; sus palabras, oscuras. Ese libro cíclico es Dios.) Básteme, por ahora, repetir el dictamen clásico: La Biblioteca es una esfera cuyo centro cabal es cualquier hexágono, cuya circunferencia es inaccesible.
A cada uno de los muros de cada hexágono corresponden cinco anaqueles; cada anaquel encierra treinta y dos libros de formato uniforme; cada libro es de cuatrocientas diez páginas; cada página, de cuarenta renglones; cada renglón, de unas ochenta letras de color negro. También hay letras en el dorso de cada libro; esas letras no indican o prefiguran lo que dirán las páginas. Sé que esa inconexión, alguna vez, pareció misteriosa. Antes de resumir la solución (cuyo descubrimiento, a pesar de sus trágicas proyecciones, es quizá el hecho capital de la historia) quiero rememorar algunos axiomas.
El primero: La Biblioteca existe ab alterno. De esa verdad cuyo colorario inmediato es la eternidad futura del mundo, ninguna mente razonable puede dudar. El hombre, el imperfecto bibliotecario, puede ser obra del azar o de los demiurgos malévolos; el universo, con su elegante dotación de anaqueles, de tomos enigmáticos, de infatigables escaleras para el viajero y de letrinas para el bibliotecario sentado, sólo puede ser obra de un dios. Para percibir la distancia que hay entre lo divino y lo humano, basta comparar estos rudos símbolos trémulos que mi falible mano garabatea en la tapa de un libro, con las letras orgánicas del interior: puntuales, delicadas, negrísimas, inimitablemente simétricas.
El segundo: El número de símbolos ortográficos es veinticinco. Esa comprobación permitió, hace trescientos años, formular una teoría general de la Biblioteca y resolver satisfactoriamente el problema que ninguna conjetura había descifrado: la naturaleza informe y caótica de casi todos los libros. Uno, que mi padre vio en un hexágono del circuito quince noventa y cuatro, constaba de las letras MCV perversamente repetidas desde el renglón primero hasta el último. Otro (muy consultado en esta zona) es un mero laberinto de letras, pero la página penúltima dice «Oh tiempo tus pirámides». Ya se sabe: por una línea razonable o una recta noticia hay leguas de insensatas cacofonías, de fárragos verbales y de incoherencias. (Yo sé de una región cerril cuyos bibliotecarios repudian la supersticiosa y vana costumbre de buscar sentido en los libros y la equiparan a la de buscarlo en los sueños o en las líneas caóticas de la mano... Admiten que los inventores de la escritura imitaron los veinticinco símbolos naturales, pero sostienen que esa aplicación es casual y que los libros nada significan en sí. Ese dictamen, ya veremos no es del todo falaz.)
Durante mucho tiempo se creyó que esos libros impenetrables correspondían a lenguas pretéritas o remotas. Es verdad que los hombres más antiguos, los primeros bibliotecarios, usaban un lenguaje asaz diferente del que hablamos ahora; es verdad que unas millas a la derecha la lengua es dialectal y que noventa pisos más arriba, es incomprensible. Todo eso, lo repito, es verdad, pero cuatrocientas diez páginas de inalterables MCV no pueden corresponder a ningún idioma, por dialectal o rudimentario que sea. Algunos insinuaron que cada letra podía influir en la subsiguiente y que el valor de MCV en la tercera línea de la página 71 no era el que puede tener la misma serie en otra posición de otra página, pero esa vaga tesis no prosperó. Otros pensaron en criptografías; universalmente esa conjetura ha sido aceptada, aunque no en el sentido en que la formularon sus inventores.
Hace quinientos años, el jefe de un hexágono superior dio con un libro tan confuso como los otros, pero que tenía casi dos hojas de líneas homogéneas. Mostró su hallazgo a un descifrador ambulante, que le dijo que estaban redactadas en portugués; otros le dijeron que en yiddish. Antes de un siglo pudo establecerse el idioma: un dialecto samoyedo-lituano del guaraní, con inflexiones de árabe clásico. También se descifró el contenido: nociones de análisis combinatorio, ilustradas por ejemplos de variaciones con repetición ilimitada. Esos ejemplos permitieron que un bibliotecario de genio descubriera la ley fundamental de la Biblioteca. Este pensador observó que todos los libros, por diversos que sean, constan de elementos iguales: el espacio, el punto, la coma, las veintidós letras del alfabeto. También alegó un hecho que todos los viajeros han confirmado: No hay en la vasta Biblioteca, dos libros idénticos. De esas premisas incontrovertibles dedujo que la Biblioteca es total y que sus anaqueles registran todas las posibles combinaciones de los veintitantos símbolos ortográficos (número, aunque vastísimo, no infinito) o sea todo lo que es dable expresar: en todos los idiomas. Todo: la historia minuciosa del porvenir, las autobiografías de los arcángeles, el catálogo fiel de la Biblioteca, miles y miles de catálogos falsos, la demostración de la falacia de esos catálogos, la demostración de la falacia del catálogo verdadero, el evangelio gnóstico de Basilides, el comentario de ese evangelio, el comentario del comentario de ese evangelio, la relación verídica de tu muerte, la versión de cada libro a todas las lenguas, las interpolaciones de cada libro en todos los libros, el tratado que Beda pudo escribir (y no escribió) sobre la mitología de los sajones, los libros perdidos de Tácito.
Cuando se proclamó que la Biblioteca abarcaba todos los libros, la primera impresión fue de extravagante felicidad. Todos los hombres se sintieron señores de un tesoro intacto y secreto. No había problema personal o mundial cuya elocuente solución no existiera: en algún hexágono. El universo estaba justificado, el universo bruscamente usurpó las dimensiones ilimitadas de la esperanza. En aquel tiempo se habló mucho de las Vindicaciones: libros de apología y de profecía, que para siempre vindicaban los actos de cada hombre del universo y guardaban arcanos prodigiosos para su porvenir. Miles de codiciosos abandonaron el dulce hexágono natal y se lanzaron escaleras arriba, urgidos por el vano propósito de encontrar su Vindicación. Esos peregrinos disputaban en los corredores estrechos, proferían oscuras maldiciones, se estrangulaban en las escaleras divinas, arrojaban los libros engañosos al fondo de los túneles, morían despeñados por los hombres de regiones remotas. Otros se enloquecieron... Las Vindicaciones existen (yo he visto dos que se refieren a personas del porvenir, a personas acaso no imaginarias) pero los buscadores no recordaban que la posibilidad de que un hombre encuentre la suya, o alguna pérfida variación de la suya, es computable en cero.
También se esperó entonces la aclaración de los misterios básicos de la humanidad: el origen de la Biblioteca y del tiempo. Es verosímil que esos graves misterios puedan explicarse en palabras: si no basta el lenguaje de los filósofos, la multiforme Biblioteca habrá producido el idioma inaudito que se requiere y los vocabularios y gramáticas de ese idioma. Hace ya cuatro siglos que los hombres fatigan los hexágonos... Hay buscadores oficiales, inquisidores. Yo los he visto en el desempeño de su función: llegan siempre rendidos; hablan de una escalera sin peldaños que casi los mató; hablan de galerías y de escaleras con el bibliotecario; alguna vez, toman el libro más cercano y lo hojean, en busca de palabras infames. Visiblemente, nadie espera descubrir nada.
A la desaforada esperanza, sucedió, como es natural, una depresión excesiva. La certidumbre de que algún anaquel en algún hexágono encerraba libros preciosos y de que esos libros preciosos eran inaccesibles, pareció casi intolerable. Una secta blasfema sugirió que cesaran las buscas y que todos los hombres barajaran letras y símbolos, hasta construir, mediante un improbable don del azar, esos libros canónicos. Las autoridades se vieron obligadas a promulgar órdenes severas. La secta desapareció, pero en mi niñez he visto hombres viejos que largamente se ocultaban en las letrinas, con unos discos de metal en un cubilete prohibido, y débilmente remedaban el divino desorden.
Otros, inversamente, creyeron que lo primordial era eliminar las obras inútiles. Invadían los hexágonos, exhibían credenciales no siempre falsas, hojeaban con fastidio un volumen y condenaban anaqueles enteros: a su furor higiénico, ascético, se debe la insensata perdición de millones de libros. Su nombre es execrado, pero quienes deploran los «tesoros» que su frenesí destruyó, negligen dos hechos notorios. Uno: la Biblioteca es tan enorme que toda reducción de origen humano resulta infinitesimal. Otro: cada ejemplar es único, irreemplazable, pero (como la Biblioteca es total) hay siempre varios centenares de miles de facsímiles imperfectos: de obras que no difieren sino por una letra o por una coma. Contra la opinión general, me atrevo a suponer que las consecuencias de las depredaciones cometidas por los Purificadores, han sido exageradas por el horror que esos fanáticos provocaron. Los urgía el delirio de conquistar los libros del Hexágono Carmesí: libros de formato menor que los naturales; omnipotentes, ilustrados y mágicos.
También sabemos de otra superstición de aquel tiempo: la del Hombre del Libro. En algún anaquel de algún hexágono (razonaron los hombres) debe existir un libro que sea la cifra y el compendio perfecto de todos los demás: algún bibliotecario lo ha recorrido y es análogo a un dios. En el lenguaje de esta zona persisten aún vestigios del culto de ese funcionario remoto. Muchos peregrinaron en busca de Él. Durante un siglo fatigaron en vano los más diversos rumbos. ¿Cómo localizar el venerado hexágono secreto que lo hospedaba? Alguien propuso un método regresivo: Para localizar el libro A, consultar previamente un libro B que indique el sitio de A; para localizar el libro B, consultar previamente un libro C, y así hasta lo infinito... En aventuras de ésas, he prodigado y consumido mis años. No me parece inverosímil que en algún anaquel del universo haya un libro total; ruego a los dioses ignorados que un hombre - ¡uno solo, aunque sea, hace miles de años! - lo haya examinado y leído. Si el honor y la sabiduría y la felicidad no son para mí, que sean para otros. Que el cielo exista, aunque mi lugar sea el infierno. Que yo sea ultrajado y aniquilado, pero que en un instante, en un ser, Tu enorme Biblioteca se justifique.
Afirman los impíos que el disparate es normal en la Biblioteca y que lo razonable (y aun la humilde y pura coherencia) es una casi milagrosa excepción. Hablan (lo sé) de «la Biblioteca febril, cuyos azarosos volúmenes corren el incesante albur de cambiarse en otros y que todo lo afirman, lo niegan y lo confunden como una divinidad que delira». Esas palabras que no sólo denuncian el desorden sino que lo ejemplifican también, notoriamente prueban su gusto pésimo y su desesperada ignorancia. En efecto, la Biblioteca incluye todas las estructuras verbales, todas las variaciones que permiten los veinticinco símbolos ortográficos, pero no un solo disparate absoluto. Inútil observar que el mejor volumen de los muchos hexágonos que administro se titula «Trueno peinado», y otro «El calambre de yeso» y otro «Axaxaxas mlo». Esas proposiciones, a primera vista incoherentes, sin duda son capaces de una justificación criptográfica o alegórica; esa justificación es verbal y, ex hypothesi, ya figura en la Biblioteca. No puedo combinar unos caracteres dhcmrlchtdj que la divina Biblioteca no haya previsto y que en alguna de sus lenguas secretas no encierren un terrible sentido. Nadie puede articular una sílaba que no esté llena de ternuras y de temores; que no sea en alguno de esos lenguajes el nombre poderoso de un dios. Hablar es incurrir en tautologías. Esta epístola inútil y palabrera ya existe en uno de los treinta volúmenes de los cinco anaqueles de uno de los incontables hexágonos, y también su refutación. (Un número n de lenguajes posibles usa el mismo vocabulario; en algunos, el símbolo biblioteca admite la correcta definición ubicuo y perdurable sistema de galerías hexagonales, pero biblioteca es pan o pirámide o cualquier otra cosa, y las siete palabras que la definen tienen otro valor. Tú, que me lees, ¿estás seguro de entender mi lenguaje?).
La escritura metódica me distrae de la presente condición de los hombres. La certidumbre de que todo está escrito nos anula o nos afantasma. Yo conozco distritos en que los jóvenes se prosternan ante los libros y besan con barbarie las páginas, pero no saben descifrar una sola letra. Las epidemias, las discordias heréticas, las peregrinaciones que inevitablemente degeneran en bandolerismo, han diezmado la población. Creo haber mencionado los suicidios, cada año más frecuentes. Quizá me engañen la vejez y el temor, pero sospecho que la especie humana - la única - está por extinguirse y que la Biblioteca perdurará: iluminada, solitaria, infinita, perfectamente inmóvil, armada de volúmenes preciosos, inútil, incorruptible, secreta.
Acabo de escribir infinita. No he interpolado ese adjetivo por una costumbre retórica; digo que no es ilógico pensar que el mundo es infinito. Quienes lo juzgan limitado, postulan que en lugares remotos los corredores y escaleras y hexágonos pueden inconcebiblemente cesar, lo cual es absurdo. Quienes la imaginan sin límites, olvidan que los tiene el número posible de libros. Yo me atrevo a insinuar esta solución del antiguo problema: La biblioteca es ilimitada y periódica. Si un eterno viajero la atravesara en cualquier dirección, comprobaría al cabo de los siglos que los mismos volúmenes se repiten en el mismo desorden (que, repetido, sería un orden: el Orden). Mi soledad se alegra con esa elegante esperanza.
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Generación eterna del Hijo, procesión eterna del Espíritu, es la soberbia decisión de Ireneo: invención de un acto sin tiempo, de un mutilado zeitloses Zeitwort, que podemos rechazar o venerar, pero no discutir. El infierno es una mera violencia física, pero las tres inextricables Personas importan un horror intelectual, una infinitud ahogada, especiosa, como de contrarios espejos. Dante las quiso figurar con el signo de una reverberación de círculos diáfanos, de diverso color; Donne, por el de complicadas serpientes, ricas e indisolubles. Toto co-ruscat Trinitas mysterio, escribió San Paulino; "Fulge en pleno misterio la Trinidad".
Si el Hijo es la reconciliación de Dios con el mundo, el Espíritu —principio de la santificación, según Atanasio; ángel entre los otros, para Macedonio— no consiente mejor definición que la de ser la intimidad de Dios con nosotros, su inmanencia en los pechos. (Para los socinianos —temo que con suficiente razón— no era más que una locución personificada, una metáfora de las operaciones divinas, trabajada luego hasta el vértigo.) Mera formación sintáctica o no, lo cierto es que la tercera ciega persona de la enredada Trinidad es el reconocido autor de las Escrituras. Gibbon, en aquel capítulo de su obra que trata del Islam, incluye un censo general de las publicaciones del Espíritu Santo, calculadas con cierta timidez en unas ciento y pico; pero la que me interesa ahora es el Génesis: materia de la Cabala.
Los cabalistas, como ahora muchos cristianos, creían en la divinidad de esa historia, en su deliberada redacción por una inteligencia infinita. Las consecuencias de ese postulado son muchas. La distraída evacuación de un texto comente —verbigracia, de las menciones efímeras del periodismo— tolera una cantidad sensible de azar. Comunican —postulándolo—un hecho: informan que el siempre irregular asalto de ayer obró en tal calle, tal esquina, a las tales horas de la mañana, receta no representable por nadie y que se limita a señalarnos el sitio Tal, donde suministran informes. En indicaciones así, la extensión y la acústica de los párrafos son necesariamente casuales. Lo contrario ocurre en los versos, cuya ordinaria ley es la sujeción del sentido a las necesidades (o supersticiones) eufónicas. Lo casual en ellos no es el sonido, es lo que significan. Así en el primer Tennyson, en Verlaine, en el último Swinburne: dedicados tan sólo a la expresión de estados generales, mediante las ricas aventuras de su prosodia. Consideremos un tercer escritor, el intelectual. Éste, ya en su manejo de la prosa (Valéry, De Quincey), ya en el del verso, no ha eliminado ciertamente el azar, pero ha rehusado en lo posible, y ha restringido, su alianza incalculable. Remotamente se aproxima al Señor, para Quien el vago concepto de azar ningún sentido tiene. Al Señor, al perfeccionado Dios de los teólogos, que sabe de una vez —uno intelli-gendi actu— no solamente todos los hechos de este repleto mundo, sino los que tendrían su lugar si el más evanescente de ellos cambiara —los imposibles, también.
Imaginemos ahora esa inteligencia estelar, dedicada a manifestarse, no en dinastías ni en aniquilaciones ni en pájaros, sino en voces escritas. Imaginemos asimismo, de acuerdo con la teoría preagustiniana de inspiración verbal, que Dios dicta, palabra por palabra, lo que se propone decir.[2] Esa premisa (que fue la que asumieron los cabalistas) hace de la Escritura un texto absoluto, donde la colaboración del azar es calculable en cero, La sola concepción de ese documento es un prodigio superior a cuantos registran sus páginas. Un libro impenetrable a la contingencia, un mecanismo de infinitos propósitos, de variaciones infalibles, de revelaciones que acechan, de superposiciones de luz, ¿cómo no interrogarlo hasta lo absurdo, hasta lo prolijo numérico, según hizo la Cabala?
1931
[1]1. Sigo la versión latina:"diffusius tractavit Jobi afflictiones." En inglés, con mejor acierto, había escrito: "hath laboured more"
[2] 1. Orígenes atribuyó tres senados a las palabras de la Escritura: el histórico, el moral y el místico, correspondientes al cuerpo, al alma y al espíritu que integran el hombre; Juan Escoto Erígena, un infinito número de sentidos, como los tornasoles del plumaje del pavo real.
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Si el Hijo es la reconciliación de Dios con el mundo, el Espíritu —principio de la santificación, según Atanasio; ángel entre los otros, para Macedonio— no consiente mejor definición que la de ser la intimidad de Dios con nosotros, su inmanencia en los pechos. (Para los socinianos —temo que con suficiente razón— no era más que una locución personificada, una metáfora de las operaciones divinas, trabajada luego hasta el vértigo.) Mera formación sintáctica o no, lo cierto es que la tercera ciega persona de la enredada Trinidad es el reconocido autor de las Escrituras. Gibbon, en aquel capítulo de su obra que trata del Islam, incluye un censo general de las publicaciones del Espíritu Santo, calculadas con cierta timidez en unas ciento y pico; pero la que me interesa ahora es el Génesis: materia de la Cabala.
Los cabalistas, como ahora muchos cristianos, creían en la divinidad de esa historia, en su deliberada redacción por una inteligencia infinita. Las consecuencias de ese postulado son muchas. La distraída evacuación de un texto comente —verbigracia, de las menciones efímeras del periodismo— tolera una cantidad sensible de azar. Comunican —postulándolo—un hecho: informan que el siempre irregular asalto de ayer obró en tal calle, tal esquina, a las tales horas de la mañana, receta no representable por nadie y que se limita a señalarnos el sitio Tal, donde suministran informes. En indicaciones así, la extensión y la acústica de los párrafos son necesariamente casuales. Lo contrario ocurre en los versos, cuya ordinaria ley es la sujeción del sentido a las necesidades (o supersticiones) eufónicas. Lo casual en ellos no es el sonido, es lo que significan. Así en el primer Tennyson, en Verlaine, en el último Swinburne: dedicados tan sólo a la expresión de estados generales, mediante las ricas aventuras de su prosodia. Consideremos un tercer escritor, el intelectual. Éste, ya en su manejo de la prosa (Valéry, De Quincey), ya en el del verso, no ha eliminado ciertamente el azar, pero ha rehusado en lo posible, y ha restringido, su alianza incalculable. Remotamente se aproxima al Señor, para Quien el vago concepto de azar ningún sentido tiene. Al Señor, al perfeccionado Dios de los teólogos, que sabe de una vez —uno intelli-gendi actu— no solamente todos los hechos de este repleto mundo, sino los que tendrían su lugar si el más evanescente de ellos cambiara —los imposibles, también.
Imaginemos ahora esa inteligencia estelar, dedicada a manifestarse, no en dinastías ni en aniquilaciones ni en pájaros, sino en voces escritas. Imaginemos asimismo, de acuerdo con la teoría preagustiniana de inspiración verbal, que Dios dicta, palabra por palabra, lo que se propone decir.[2] Esa premisa (que fue la que asumieron los cabalistas) hace de la Escritura un texto absoluto, donde la colaboración del azar es calculable en cero, La sola concepción de ese documento es un prodigio superior a cuantos registran sus páginas. Un libro impenetrable a la contingencia, un mecanismo de infinitos propósitos, de variaciones infalibles, de revelaciones que acechan, de superposiciones de luz, ¿cómo no interrogarlo hasta lo absurdo, hasta lo prolijo numérico, según hizo la Cabala?
1931
[1]1. Sigo la versión latina:"diffusius tractavit Jobi afflictiones." En inglés, con mejor acierto, había escrito: "hath laboured more"
[2] 1. Orígenes atribuyó tres senados a las palabras de la Escritura: el histórico, el moral y el místico, correspondientes al cuerpo, al alma y al espíritu que integran el hombre; Juan Escoto Erígena, un infinito número de sentidos, como los tornasoles del plumaje del pavo real.
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No oitavo livro da Odisséia lê-se que os deuses tecem adversidades para que às gerações futuras não falte algo que cantar; a declaração de Mallarmé, “o mundo existe para chegar a um livro”, parece repetir, uns trinta séculos depois, o mesmo conceito de uma justificação estética dos males. As duas teologias, no entanto, não coincidem integralmente; a do grego corresponde à da época da palavra oral; à do francês, à época da palavra escrita. Numa se fala de contar, na outra em livros. Um livro, qualquer livro, é para nós um objeto sagrado: já Cervantes, que talvez não escutasse tudo que lhe diziam as pessoas, lia até “os papéis amassados das ruas”. O fogo, numa das comédias de Bernard Shaw, ameaça a biblioteca de Alexandria; alguém exclama que arderá a memória da humanidade, e César lhe diz: Deixe que queime. É uma memória vergonhosa. O César histórico, em minha opinião, aprovaria ou condenaria a sentença que o autor lhe atribui, mas não o julgaria, como nós, uma piada sacrílega. A razão é clara: para os antigos a palavra escrita não era outra coisa que um sucedâneo da palavra oral.
É notório que Pitágoras não escreveu; Gomperz (Griechischeker Denker, I, 3) defende que ele agiu assim por ter mais fé na virtude da instrução da palavra falada. De mais peso que a mera abstenção de Pitágoras é o testemunho inequívoco de Platão. Este no Timeu afirmou: “Dura é a tarefa de descobrir o fazedor e pai deste universo e, uma vez descoberto, é impossível anunciá-lo a todos os homens,” e no Fedro narrou uma parábola egípcia contra a escrita (cujo hábito faz com que as pessoas descuidem do exercício da memória e dependam de símbolos), e disse que os livros são como figuras pintadas, “que parecem vivas, mas não contestam uma palavra às perguntas que lhes fazem”. Para atenuar ou eliminar este inconveniente ele imaginou o diálogo filosófico. O mestre elege o discípulo, mas o livro não elege seus leitores, que podem se malvados ou estúpidos; este receio platônico perdura nas palavras de Clemente de Alexandria, homem de cultura pagã: “O mais prudente é não escrever, mas aprender e ensinar de viva voz, porque o escrito decai” (Stromateis), e estas do mesmo tratado: “Escrever num livro todas as coisas é deixar uma espada nas mãos de uma criança”; que derivam por sua vez das evangélicas: “Não dêem aos cães as coisas santas, nem atirem pérolas diante dos porcos, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, os despedacem”. Esta sentença é de Jesus, o maior dos mestres orais, que uma única vez escreveu umas palavras na terra e não as leu homem algum (João 8:6).
Clemente de Alexandria escreveu seu receio da escrita no final do século II; no final do século IV iniciou-se o processo mental que, com o passar de muitas gerações, culminaria no predomínio da palavra escrita sobre a falada, da pena sobre a voz. Um admirável acidente quis que um escritor fixasse o instante (mal exagero ao chamá-lo de instante) em que teve início o vasto processo. Conta Santo Agostinho, no livro seis das Confissões: “Quando Ambrósio lia, passava a vista sobre as páginas, penetrando sua alma no sentido do texto sem proferir uma palavra nem mover a língua. Muitas vezes – pois a ninguém proibia de entrar, nem tinha o costume de pedir que anunciassem quem chegava, – vimo-lo ler silenciosamente e nunca de outro modo, e ao fim de um intervalo partíamos, conjecturando que aquele breve intervalo que se lhe concedia para reparar seu espírito, livre do tumulto dos negócios alheios, não queria ter ocupado com outra coisa, talvez receoso de que um ouvinte, atento às dificuldades do texto, lhe pedisse a explicação de uma passagem obscura ou quisesse discutir com ele, diante do que não poderia ler tantos volumes quanto desejava. Entendo que ele lia desse modo para conservar a voz, que escapava-lhe com facilidade. Em todo caso, qualquer que fosse o propósito de um homem como aquele, era sem dúvida bom”. Santo Agostinho foi discípulo de São Ambrósio, bispo de Milão, até o ano 384; três anos depois, em Numídia, redigiu suas Confissões e ainda o inquietava aquele singular espetáculo: um homem num aposento, com um livro, lendo sem articular as palavras.
Aquele homem passava diretamente do sinal escrito à intuição, omitindo o signo sonoro; a estranha arte que se iniciava, a arte de ler em voz baixa, conduziria a conseqüências maravilhosas. Conduziria, passados muitos anos, ao conceito do livro como fim, não como instrumento de um fim. (Este conceito místico, trasladado à literatura profana, daria os singulares destinos de Flaubert e de Mallarmé, de Henry James e de James Joyce.) À noção de um Deus que fala aos homens para ordenar-lhes algo ou proibir-lhes algo sobrepõe-se a do Livro Absoluto, a de uma Escritura Sagrada. Para os muçulmanos, o “Alcorão” (também chamado de O Livro, Al Kitab), não é uma mera obra de Deus, como as almas dos homens ou o universo; é um dos atributos de Deus, como sua eternidade ou sua ira. No capítulo XIII lemos que o texto original, A Mãe do Livro, está depositado no céu. Muhammad-al-Ghazali, o Algazel dos escolásticos, declarou: “o Alcorão se copia num livro, se pronuncia com a língua, se recorda no coração e no entanto segue perdurando no centro de Deus e não o altera sua passagem pelas folhas escritas ou pelos entendimentos humanos”. George Sale observa que esse não-criado Alcorão não é outra coisa que sua idéia ou arquétipo platônico; é verossímil que Algazel tenha recorrido aos arquétipos, comunicados ao Islam pela Enciclopédia dos Irmãos da Pureza e por Avicena, para justificar a noção da Mãe do Livro.
“A história universal é uma Escritura Sagrada que deciframos e escrevemos de forma vacilante, e na qual também somos escritos”.
Ainda mais extravagantes que os muçulmanos foram os judeus. No primeiro capítulo de sua Bíblia é pronunciada a sentença famosa: “E Deus disse: haja luz, e houve luz”; os cabalistas raciocinaram que a virtude dessa ordem do Senhor procedeu das letras das palavras. O tratado Sefer Yetsirah (Livro da Formação), redigido na Síria ou na Palestina em meados do século VI, revela que Jeová dos Exércitos, Deus de Israel e Deus Todo-poderoso, criou o universo através dos números cardeais que vão de um a dez e das vinte e duas letras do alfabeto. Que os números sejam instrumentos da Criação é dogma de Pitágoras e de Jâmblico; que as letras o sejam é claro indício do novo culto da escrita. O segundo parágrafo do segundo capítulo reza: “Vinte e duas letras fundamentais: Deus desenhou-as, gravou-as, combinou-as, pesou-as, permutou-as e com elas produziu tudo que é e tudo que será”. Logo se revela que a letra tem poder sobre o ar, e este sobre a água, e esta sobre o fogo, e este sobre a sabedoria, e esta sobre a paz, e esta sobre a graça, e esta sobre o sonho, e este sobre a cólera, e como (por exemplo) a letra kaf, que tem poder sobre a vida, serviu para formar o sol no mundo, a quarta-feira no ano e a orelha esquerda no corpo.
Mais longe foram os cristãos. A idéia de que a divindade havia escrito um livro moveu-os a imaginar que havia escrito dois, e que o outro era o universo. A princípios do século XVII Francis Bacon declarou em seu Advancement of Learning que Deus nos oferecia dois livros, para que não incidíssemos em erro: o primeiro, o volume das Escrituras, que revela sua vontade; o segundo, o volume das criaturas, que revela seu poderio, e que este era a chave daquele. Bacon se propunha a muito mais do que fazer uma metáfora; opinava que o mundo era redutível a formas essenciais (temperaturas, densidades, pesos, cores) que integravam, em número limitado, um abecedarium naturae ou série de letras com que se escreve o texto universal. Sir Thomas Browne , em cerca de 1642, confirmou: “Dois são os livros de que aprendo teologia: da Sagrada Escritura e daquele universal e público manuscrito que está patente a todos os olhos. Os que nunca o viram no primeiro descobriram-no no outro (Religio Medici, I, 16). No mesmo parágrafo se lê: “Todas as coisas são artificiais, porque a natureza é a arte de Deus”. Duzentos anos transcorreram e o escocês Carlyle, em diversos lugares de sua obra e particularmente no ensaio sobre Cagliostro, superou a conjectura de Bacon; registrou que a história universal é uma Escritura Sagrada que deciframos e escrevemos de forma vacilante, e na qual também somos escritos. Depois León Bloy escreveu: “Não há na terra um ser humano capaz de declarar quem é. Ninguém sabe o que veio fazer neste mundo, a que correspondem seus atos, seus sentimentos, suas idéias, nem qual é seu verdadeiro nome, seu imperecível Nome no registro da Luz… A história é um imenso texto litúrgico, onde as vírgulas e pontos não valem menos do que os versículos ou capítulos inteiros, mas a importância de uns e de outros é indeterminável e profundamente escondida” (L’Ame de Napoléon, 1912). O mundo, segundo Mallarmé, existe para um livro; segundo Bloy, somos versículos ou palavras ou letras de um livro mágico, e esse livro incessante é a única coisa que há no mundo; é, melhor dizendo, o mundo.
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É notório que Pitágoras não escreveu; Gomperz (Griechischeker Denker, I, 3) defende que ele agiu assim por ter mais fé na virtude da instrução da palavra falada. De mais peso que a mera abstenção de Pitágoras é o testemunho inequívoco de Platão. Este no Timeu afirmou: “Dura é a tarefa de descobrir o fazedor e pai deste universo e, uma vez descoberto, é impossível anunciá-lo a todos os homens,” e no Fedro narrou uma parábola egípcia contra a escrita (cujo hábito faz com que as pessoas descuidem do exercício da memória e dependam de símbolos), e disse que os livros são como figuras pintadas, “que parecem vivas, mas não contestam uma palavra às perguntas que lhes fazem”. Para atenuar ou eliminar este inconveniente ele imaginou o diálogo filosófico. O mestre elege o discípulo, mas o livro não elege seus leitores, que podem se malvados ou estúpidos; este receio platônico perdura nas palavras de Clemente de Alexandria, homem de cultura pagã: “O mais prudente é não escrever, mas aprender e ensinar de viva voz, porque o escrito decai” (Stromateis), e estas do mesmo tratado: “Escrever num livro todas as coisas é deixar uma espada nas mãos de uma criança”; que derivam por sua vez das evangélicas: “Não dêem aos cães as coisas santas, nem atirem pérolas diante dos porcos, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, os despedacem”. Esta sentença é de Jesus, o maior dos mestres orais, que uma única vez escreveu umas palavras na terra e não as leu homem algum (João 8:6).
Clemente de Alexandria escreveu seu receio da escrita no final do século II; no final do século IV iniciou-se o processo mental que, com o passar de muitas gerações, culminaria no predomínio da palavra escrita sobre a falada, da pena sobre a voz. Um admirável acidente quis que um escritor fixasse o instante (mal exagero ao chamá-lo de instante) em que teve início o vasto processo. Conta Santo Agostinho, no livro seis das Confissões: “Quando Ambrósio lia, passava a vista sobre as páginas, penetrando sua alma no sentido do texto sem proferir uma palavra nem mover a língua. Muitas vezes – pois a ninguém proibia de entrar, nem tinha o costume de pedir que anunciassem quem chegava, – vimo-lo ler silenciosamente e nunca de outro modo, e ao fim de um intervalo partíamos, conjecturando que aquele breve intervalo que se lhe concedia para reparar seu espírito, livre do tumulto dos negócios alheios, não queria ter ocupado com outra coisa, talvez receoso de que um ouvinte, atento às dificuldades do texto, lhe pedisse a explicação de uma passagem obscura ou quisesse discutir com ele, diante do que não poderia ler tantos volumes quanto desejava. Entendo que ele lia desse modo para conservar a voz, que escapava-lhe com facilidade. Em todo caso, qualquer que fosse o propósito de um homem como aquele, era sem dúvida bom”. Santo Agostinho foi discípulo de São Ambrósio, bispo de Milão, até o ano 384; três anos depois, em Numídia, redigiu suas Confissões e ainda o inquietava aquele singular espetáculo: um homem num aposento, com um livro, lendo sem articular as palavras.
Aquele homem passava diretamente do sinal escrito à intuição, omitindo o signo sonoro; a estranha arte que se iniciava, a arte de ler em voz baixa, conduziria a conseqüências maravilhosas. Conduziria, passados muitos anos, ao conceito do livro como fim, não como instrumento de um fim. (Este conceito místico, trasladado à literatura profana, daria os singulares destinos de Flaubert e de Mallarmé, de Henry James e de James Joyce.) À noção de um Deus que fala aos homens para ordenar-lhes algo ou proibir-lhes algo sobrepõe-se a do Livro Absoluto, a de uma Escritura Sagrada. Para os muçulmanos, o “Alcorão” (também chamado de O Livro, Al Kitab), não é uma mera obra de Deus, como as almas dos homens ou o universo; é um dos atributos de Deus, como sua eternidade ou sua ira. No capítulo XIII lemos que o texto original, A Mãe do Livro, está depositado no céu. Muhammad-al-Ghazali, o Algazel dos escolásticos, declarou: “o Alcorão se copia num livro, se pronuncia com a língua, se recorda no coração e no entanto segue perdurando no centro de Deus e não o altera sua passagem pelas folhas escritas ou pelos entendimentos humanos”. George Sale observa que esse não-criado Alcorão não é outra coisa que sua idéia ou arquétipo platônico; é verossímil que Algazel tenha recorrido aos arquétipos, comunicados ao Islam pela Enciclopédia dos Irmãos da Pureza e por Avicena, para justificar a noção da Mãe do Livro.
“A história universal é uma Escritura Sagrada que deciframos e escrevemos de forma vacilante, e na qual também somos escritos”.
Ainda mais extravagantes que os muçulmanos foram os judeus. No primeiro capítulo de sua Bíblia é pronunciada a sentença famosa: “E Deus disse: haja luz, e houve luz”; os cabalistas raciocinaram que a virtude dessa ordem do Senhor procedeu das letras das palavras. O tratado Sefer Yetsirah (Livro da Formação), redigido na Síria ou na Palestina em meados do século VI, revela que Jeová dos Exércitos, Deus de Israel e Deus Todo-poderoso, criou o universo através dos números cardeais que vão de um a dez e das vinte e duas letras do alfabeto. Que os números sejam instrumentos da Criação é dogma de Pitágoras e de Jâmblico; que as letras o sejam é claro indício do novo culto da escrita. O segundo parágrafo do segundo capítulo reza: “Vinte e duas letras fundamentais: Deus desenhou-as, gravou-as, combinou-as, pesou-as, permutou-as e com elas produziu tudo que é e tudo que será”. Logo se revela que a letra tem poder sobre o ar, e este sobre a água, e esta sobre o fogo, e este sobre a sabedoria, e esta sobre a paz, e esta sobre a graça, e esta sobre o sonho, e este sobre a cólera, e como (por exemplo) a letra kaf, que tem poder sobre a vida, serviu para formar o sol no mundo, a quarta-feira no ano e a orelha esquerda no corpo.
Mais longe foram os cristãos. A idéia de que a divindade havia escrito um livro moveu-os a imaginar que havia escrito dois, e que o outro era o universo. A princípios do século XVII Francis Bacon declarou em seu Advancement of Learning que Deus nos oferecia dois livros, para que não incidíssemos em erro: o primeiro, o volume das Escrituras, que revela sua vontade; o segundo, o volume das criaturas, que revela seu poderio, e que este era a chave daquele. Bacon se propunha a muito mais do que fazer uma metáfora; opinava que o mundo era redutível a formas essenciais (temperaturas, densidades, pesos, cores) que integravam, em número limitado, um abecedarium naturae ou série de letras com que se escreve o texto universal. Sir Thomas Browne , em cerca de 1642, confirmou: “Dois são os livros de que aprendo teologia: da Sagrada Escritura e daquele universal e público manuscrito que está patente a todos os olhos. Os que nunca o viram no primeiro descobriram-no no outro (Religio Medici, I, 16). No mesmo parágrafo se lê: “Todas as coisas são artificiais, porque a natureza é a arte de Deus”. Duzentos anos transcorreram e o escocês Carlyle, em diversos lugares de sua obra e particularmente no ensaio sobre Cagliostro, superou a conjectura de Bacon; registrou que a história universal é uma Escritura Sagrada que deciframos e escrevemos de forma vacilante, e na qual também somos escritos. Depois León Bloy escreveu: “Não há na terra um ser humano capaz de declarar quem é. Ninguém sabe o que veio fazer neste mundo, a que correspondem seus atos, seus sentimentos, suas idéias, nem qual é seu verdadeiro nome, seu imperecível Nome no registro da Luz… A história é um imenso texto litúrgico, onde as vírgulas e pontos não valem menos do que os versículos ou capítulos inteiros, mas a importância de uns e de outros é indeterminável e profundamente escondida” (L’Ame de Napoléon, 1912). O mundo, segundo Mallarmé, existe para um livro; segundo Bloy, somos versículos ou palavras ou letras de um livro mágico, e esse livro incessante é a única coisa que há no mundo; é, melhor dizendo, o mundo.
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En el octavo libro de la Odisea se lee que los dioses tejen desdichas para que a las futuras generaciones no les falte algo que cantar; la declaración de Mallarmé: El mundo existe para llegar a un libro, parece repetir, unos treinta siglos después, el mismo concepto de una justificación estética de los males.
Las dos teologías, sin embargo, no coinciden íntegramente; la del griego corresponde a la época de la palabra oral, y la del francés, a una época de la palabra escrita. En una se habla de contar y en otra de libros. Un libro, cualquier libro, es para nosotros un objeto sagrado: ya Cervantes, que tal vezno escuchaba todo lo que decía la gente, leía hasta "los papeles rotos de las calles". El fuego, en una de las comedias de Bernard Shaw, amenaza la biblioteca de Alejandría; alguien exclama que arderá la memoria de la humanidad, y César le dice: Déjala arder. Es una memoria de infamia. El César histórico, en mi opinión, aprobaría o condenaría el dictamen que el autor le atribuye, pero no lo juzgaría, como nosotros, una broma sacrílega. La razón es clara: para los antiguos la palabra escrita no era otra cosa que un sucedáneo de la palabra oral.
Es fama que Pitágoras no escribió; Gomperz (Griechischeker, Denker I, 3) defiende que obró así por tener más fe en la virtud de la instrucción hablada. De mayor fuerza que la mera abstención de Pitágoras es el testimonio inequívoco de Platón. Éste en el Timeo, afirmó: "Es dura tarea descubrir al hacedor y padre de este universo, y, una vez descubierto, es imposible declararlo a todos los hombres", y en el Fedro narró una fábula egipcia contra la escritura (cuyo hábito hace que la gente descuide el ejercicio de la memoria y dependa de símbolos) y dijo que los libros son como las figuras pintadas, "que parecen vivas, pero no contestan una palabra a las preguntas que les hacen". Para atenuar o eliminar este inconveniente imaginó el diálogo
filosófico. El maestro elige al discípulo, pero el libro no elige a sus lectores, que pueden ser malvados o estúpidos; este recelo platónico perdura en las palabras de Clemente de Alejandría, hombre de cultura pagana: "Lo más prudente es no escribir sino aprender y enseñar de viva voz, porque lo escrito queda" (Stromateis), y en éstas del mismo tratado: "Escribir en un libro todas las cosas es dejar una espada en manos de un niño"; que derivan también de las evangélicas: "No deis lo santo a los perros ni echéis vuestras perlas delante de los puercos, porque no las huellen con los pies, y vuelvan y os despedacen." Esta sentencia es de Jesús, el mayor de los maestros orales, que una sola vez escribió unas palabras en la tierra y no las leyó ningún hombre (Juan, 8:6).
Clemente Alejandrino escribió su recelo de la escritura a fines del siglo II; a fines del siglo IV se inició el proceso mental que, a la vuelta de muchas generaciones, culminaría en el predominio de la palabra escrita sobre la hablada, de la pluma sobre la voz. Un admirable azar ha querido que un escritor fijara el instante (apenas exagero al llamarlo instante) en que tuvo principio el vasto proceso. Cuenta San Agustín, en el libro seis de las Confesiones: "Cuando Ambrosio leía, pasaba la vista sobre las páginas penetrando su alma, en el sentido, sin proferir una palabra ni mover la lengua. Muchas veces -pues a nadie se le prohibía entrar, ni había costumbre de avisarle quién venía, lo vimos leer calladamente y nunca de otro modo, y al cabo de un tiempo nos íbamos, conjeturando que aquel breve intervalo que se le concedía para reparar su espíritu, libre del tumulto de los negocios ajenos, no quería que se lo ocupasen en otra cosa, tal vez receloso de que un oyente,atento a las dificultades del texto, le pidiera la explicación de un pasaje oscuro o quisiera discutirlo con él, con lo que no pudiera leer tantos volúmenes como deseaba. Yo entiendo que leía de ese modo por conservar la voz, que se le tomaba con facilidad. En todo caso, cualquiera que fuese el propósito de tal
hombre, ciertamente era bueno." San Agustín fue discípulo de San Ambrosio, obispo de Milán, hacia el año 384; trece años después, en Numidia, redactó sus Confesiones y aún lo inquietaba aquel singular espectáculo: un hombre en una habitación, con un libro, leyendo sin articular las palabras. Aquel hombre pasaba directamente del signo de escritura a la intuición, omitiendo el signo sonoro; el extraño arte que iniciaba, el arte de leer en voz baja, conduciría a consecuencias maravillosas. Conduciría, cumplidos muchos
años, al concepto del libro como fin, no como instrumento de un fin. (Este concepto místico, trasladado a la literatura profana, daría los singulares destinos de Flaubert y de Mallarmé, de Henry James y de James Joyce.)
A la noción de un Dios que habla con los hombres para ordenarles algo o prohibirles algo, se superpone la del Libro Absoluto, la de una Escritura Sagrada. Para los musulmanes, el "Alcorán" (también llamado El Libro, Al Kitab), no es una mera obra de Dios, como las almas de los hombres o el universo; es uno de los atributos de Dios como Su eternidad o Su ira. En el capítulo XIII, leemos que el texto original, La Madre del Libro, está
depositado en el Cielo. Muhammad-al-Ghazali, el Algazel de los escolásticos, declaró: "el Alcorán se copia en un libro, se pronuncia con la lengua, se recuerda en el corazón y, sin embargo sigue perdurando en el centro de Dios y no lo altera su pasaje por las hojas escritas y por los entendimientos humanos". George Sale observa que ese increado Alcorán no es otra cosa que su idea o arquetipo platónico; es verosímil que Algazel recurriera a los arquetipos, comunicados al Islam por la Enciclopedia de los Hermanos de la Pureza y por Avicena, para justificar la noción de la Madre del Libro.
Aún más extravagantes que los musulmanes fueron los judíos. En el primer capítulo de su Biblia se halla la sentencia famosa: "Y Dios dijo: sea la luz; y fue la luz"; los cabalistas razonaron que la virtud de esa orden del Señor procedió de las letras de las palabras. El tratado Sefer Yetsirah (Libro de la Formación), redactado en Siria o en Palestina hacia el siglo VI, revela que Jehová de los Ejércitos, Dios de Israel y Dios Todopoderoso, creó el universo mediante los números cardinales que van del uno al diez y las veintidós letras del alfabeto. Que los números sean instrumentos o elementos de la Creación es dogma de Pitágoras y de Jámblico; que las letras lo sean es claro indicio del nuevo culto de la escritura. El segundo párrafo del segundo capítulo reza: "Veintidós letras fundamentales: Dios las dibujó, las grabó, las combinó, las pesó, las permutó, y con ellas produjo todo lo que es y todo lo que será." Luego se revela qué letra tiene poder sobre el aire, y cuál sobre el agua, y cuál sobre el fuego, y cuál sobre la sabiduría, y cuál sobre la paz y cuál sobre la gracia, y cuál
sobre el sueño, y cuál sobre la cólera, y cómo (por ejemplo) la letra kaf, que tiene poder sobre la vida, sirvió para formar el sol en el mundo, el miércoles en el año y la oreja izquierda en el cuerpo.
Más lejos fueron los cristianos. El pensamiento de que la divinidad había escrito un libro los movió a imaginar que había escrito dos y que el otro era el universo. A principios del siglo XVII, Francis Bacon declaró en su
Advancement of Learning que Dios nos ofrecía dos libros, para que no incidiéramos en error: el primero, el volumen de las Escrituras, que revela Su voluntad; el segundo, el volumen de las criaturas, que revela Su poderío y que éste era la llave de aquél. Bacon se proponía mucho más que hacer una metáfora; opinaba que el mundo era reducible a formas esenciales (temperaturas, densidades, pesos, colores), que integraban, en número limitado, un abecedarium naturae o serie de las letras con que se escribe el texto universal.
Sir Thomas Browne hacia 1642, confirmó: "Dos son los libros en que suelo aprender teología: La Sagrada Escritura y aquel universal y público manuscrito que está patente a todos los ojos. Quienes nunca lo vieron
en el primero, lo descubrieron en el otro" (Religio Medici, I, 16). En el mismo párrafo se lee: "Todas las cosas artificiales, porque la Naturaleza es el Arte de Dios." Doscientos años transcurrieron y el escocés Carlyle, en diversos lugares de labor y particularmente en el ensayo sobre Cagliostro, superó la conjetura de Bacon; estampó que la historia universal es Escritura Sagrada que desciframos y escribimos inciertamente en la que también nos escriben.
Después, León Bloy escribió: "No hay en la tierra un ser humano capaz de declarar quién es. Nadie sabe qué ha venido a hacer a este mundo, a qué corresponden sus actos, sus sentimientos, sus ideas, ni cuál es su nombre verdadero, su imperecedero Nombre en el registro de la Luz. La historia es un inmenso texto litúrgico, donde las iotas y puntos no valen menos que los versículos o capítulos íntegros pero la importancia de unos y de otros es indeterminable y está profundamente escondida" (L'âme de Napoleón, 1912).
El mundo, según Mallarmé, existe para un libro; según Bloy, somos versículos o palabras o letras de un libro mágico, y ese libro incesante es la única cosa que hay en el mundo: es, mejor dicho, el mundo."
Buenos Aires, 1951
Jorge Luis Borges; Otras inquisiciones
Las dos teologías, sin embargo, no coinciden íntegramente; la del griego corresponde a la época de la palabra oral, y la del francés, a una época de la palabra escrita. En una se habla de contar y en otra de libros. Un libro, cualquier libro, es para nosotros un objeto sagrado: ya Cervantes, que tal vezno escuchaba todo lo que decía la gente, leía hasta "los papeles rotos de las calles". El fuego, en una de las comedias de Bernard Shaw, amenaza la biblioteca de Alejandría; alguien exclama que arderá la memoria de la humanidad, y César le dice: Déjala arder. Es una memoria de infamia. El César histórico, en mi opinión, aprobaría o condenaría el dictamen que el autor le atribuye, pero no lo juzgaría, como nosotros, una broma sacrílega. La razón es clara: para los antiguos la palabra escrita no era otra cosa que un sucedáneo de la palabra oral.
Es fama que Pitágoras no escribió; Gomperz (Griechischeker, Denker I, 3) defiende que obró así por tener más fe en la virtud de la instrucción hablada. De mayor fuerza que la mera abstención de Pitágoras es el testimonio inequívoco de Platón. Éste en el Timeo, afirmó: "Es dura tarea descubrir al hacedor y padre de este universo, y, una vez descubierto, es imposible declararlo a todos los hombres", y en el Fedro narró una fábula egipcia contra la escritura (cuyo hábito hace que la gente descuide el ejercicio de la memoria y dependa de símbolos) y dijo que los libros son como las figuras pintadas, "que parecen vivas, pero no contestan una palabra a las preguntas que les hacen". Para atenuar o eliminar este inconveniente imaginó el diálogo
filosófico. El maestro elige al discípulo, pero el libro no elige a sus lectores, que pueden ser malvados o estúpidos; este recelo platónico perdura en las palabras de Clemente de Alejandría, hombre de cultura pagana: "Lo más prudente es no escribir sino aprender y enseñar de viva voz, porque lo escrito queda" (Stromateis), y en éstas del mismo tratado: "Escribir en un libro todas las cosas es dejar una espada en manos de un niño"; que derivan también de las evangélicas: "No deis lo santo a los perros ni echéis vuestras perlas delante de los puercos, porque no las huellen con los pies, y vuelvan y os despedacen." Esta sentencia es de Jesús, el mayor de los maestros orales, que una sola vez escribió unas palabras en la tierra y no las leyó ningún hombre (Juan, 8:6).
Clemente Alejandrino escribió su recelo de la escritura a fines del siglo II; a fines del siglo IV se inició el proceso mental que, a la vuelta de muchas generaciones, culminaría en el predominio de la palabra escrita sobre la hablada, de la pluma sobre la voz. Un admirable azar ha querido que un escritor fijara el instante (apenas exagero al llamarlo instante) en que tuvo principio el vasto proceso. Cuenta San Agustín, en el libro seis de las Confesiones: "Cuando Ambrosio leía, pasaba la vista sobre las páginas penetrando su alma, en el sentido, sin proferir una palabra ni mover la lengua. Muchas veces -pues a nadie se le prohibía entrar, ni había costumbre de avisarle quién venía, lo vimos leer calladamente y nunca de otro modo, y al cabo de un tiempo nos íbamos, conjeturando que aquel breve intervalo que se le concedía para reparar su espíritu, libre del tumulto de los negocios ajenos, no quería que se lo ocupasen en otra cosa, tal vez receloso de que un oyente,atento a las dificultades del texto, le pidiera la explicación de un pasaje oscuro o quisiera discutirlo con él, con lo que no pudiera leer tantos volúmenes como deseaba. Yo entiendo que leía de ese modo por conservar la voz, que se le tomaba con facilidad. En todo caso, cualquiera que fuese el propósito de tal
hombre, ciertamente era bueno." San Agustín fue discípulo de San Ambrosio, obispo de Milán, hacia el año 384; trece años después, en Numidia, redactó sus Confesiones y aún lo inquietaba aquel singular espectáculo: un hombre en una habitación, con un libro, leyendo sin articular las palabras. Aquel hombre pasaba directamente del signo de escritura a la intuición, omitiendo el signo sonoro; el extraño arte que iniciaba, el arte de leer en voz baja, conduciría a consecuencias maravillosas. Conduciría, cumplidos muchos
años, al concepto del libro como fin, no como instrumento de un fin. (Este concepto místico, trasladado a la literatura profana, daría los singulares destinos de Flaubert y de Mallarmé, de Henry James y de James Joyce.)
A la noción de un Dios que habla con los hombres para ordenarles algo o prohibirles algo, se superpone la del Libro Absoluto, la de una Escritura Sagrada. Para los musulmanes, el "Alcorán" (también llamado El Libro, Al Kitab), no es una mera obra de Dios, como las almas de los hombres o el universo; es uno de los atributos de Dios como Su eternidad o Su ira. En el capítulo XIII, leemos que el texto original, La Madre del Libro, está
depositado en el Cielo. Muhammad-al-Ghazali, el Algazel de los escolásticos, declaró: "el Alcorán se copia en un libro, se pronuncia con la lengua, se recuerda en el corazón y, sin embargo sigue perdurando en el centro de Dios y no lo altera su pasaje por las hojas escritas y por los entendimientos humanos". George Sale observa que ese increado Alcorán no es otra cosa que su idea o arquetipo platónico; es verosímil que Algazel recurriera a los arquetipos, comunicados al Islam por la Enciclopedia de los Hermanos de la Pureza y por Avicena, para justificar la noción de la Madre del Libro.
Aún más extravagantes que los musulmanes fueron los judíos. En el primer capítulo de su Biblia se halla la sentencia famosa: "Y Dios dijo: sea la luz; y fue la luz"; los cabalistas razonaron que la virtud de esa orden del Señor procedió de las letras de las palabras. El tratado Sefer Yetsirah (Libro de la Formación), redactado en Siria o en Palestina hacia el siglo VI, revela que Jehová de los Ejércitos, Dios de Israel y Dios Todopoderoso, creó el universo mediante los números cardinales que van del uno al diez y las veintidós letras del alfabeto. Que los números sean instrumentos o elementos de la Creación es dogma de Pitágoras y de Jámblico; que las letras lo sean es claro indicio del nuevo culto de la escritura. El segundo párrafo del segundo capítulo reza: "Veintidós letras fundamentales: Dios las dibujó, las grabó, las combinó, las pesó, las permutó, y con ellas produjo todo lo que es y todo lo que será." Luego se revela qué letra tiene poder sobre el aire, y cuál sobre el agua, y cuál sobre el fuego, y cuál sobre la sabiduría, y cuál sobre la paz y cuál sobre la gracia, y cuál
sobre el sueño, y cuál sobre la cólera, y cómo (por ejemplo) la letra kaf, que tiene poder sobre la vida, sirvió para formar el sol en el mundo, el miércoles en el año y la oreja izquierda en el cuerpo.
Más lejos fueron los cristianos. El pensamiento de que la divinidad había escrito un libro los movió a imaginar que había escrito dos y que el otro era el universo. A principios del siglo XVII, Francis Bacon declaró en su
Advancement of Learning que Dios nos ofrecía dos libros, para que no incidiéramos en error: el primero, el volumen de las Escrituras, que revela Su voluntad; el segundo, el volumen de las criaturas, que revela Su poderío y que éste era la llave de aquél. Bacon se proponía mucho más que hacer una metáfora; opinaba que el mundo era reducible a formas esenciales (temperaturas, densidades, pesos, colores), que integraban, en número limitado, un abecedarium naturae o serie de las letras con que se escribe el texto universal.
Sir Thomas Browne hacia 1642, confirmó: "Dos son los libros en que suelo aprender teología: La Sagrada Escritura y aquel universal y público manuscrito que está patente a todos los ojos. Quienes nunca lo vieron
en el primero, lo descubrieron en el otro" (Religio Medici, I, 16). En el mismo párrafo se lee: "Todas las cosas artificiales, porque la Naturaleza es el Arte de Dios." Doscientos años transcurrieron y el escocés Carlyle, en diversos lugares de labor y particularmente en el ensayo sobre Cagliostro, superó la conjetura de Bacon; estampó que la historia universal es Escritura Sagrada que desciframos y escribimos inciertamente en la que también nos escriben.
Después, León Bloy escribió: "No hay en la tierra un ser humano capaz de declarar quién es. Nadie sabe qué ha venido a hacer a este mundo, a qué corresponden sus actos, sus sentimientos, sus ideas, ni cuál es su nombre verdadero, su imperecedero Nombre en el registro de la Luz. La historia es un inmenso texto litúrgico, donde las iotas y puntos no valen menos que los versículos o capítulos íntegros pero la importancia de unos y de otros es indeterminable y está profundamente escondida" (L'âme de Napoleón, 1912).
El mundo, según Mallarmé, existe para un libro; según Bloy, somos versículos o palabras o letras de un libro mágico, y ese libro incesante es la única cosa que hay en el mundo: es, mejor dicho, el mundo."
Buenos Aires, 1951
Jorge Luis Borges; Otras inquisiciones