1. Machado de Assis e a sociologia

Venda de produtos falsificados
Tema gerador: Venda de água com rótulos falsos.
Notícia em O Cruzeiro, 08 de maio de 1878.
“(O inspetor municipal) Visitou diversas fábricas de águas gasosas, encontrando em quase todas (rótulos de) águas de Vichy, Seltz, etc…, artificiais (falsificadas) e com rótulos de (como se) verdadeiras (fossem). Foram intimados (avisados) os respectivos donos a inscreverem (inserir) nos rótulos a indicação de - artificiais ( falsas).”
Tema gerador: Venda de água com rótulos falsos.
Notícia em O Cruzeiro, 08 de maio de 1878.
“(O inspetor municipal) Visitou diversas fábricas de águas gasosas, encontrando em quase todas (rótulos de) águas de Vichy, Seltz, etc…, artificiais (falsificadas) e com rótulos de (como se) verdadeiras (fossem). Foram intimados (avisados) os respectivos donos a inscreverem (inserir) nos rótulos a indicação de - artificiais ( falsas).”
A partir dessa notícia Machado de Assis escreveu a crônica
Notas semanais em O Cruzeiro, 2 de junho de 1878.
Notas semanais em O Cruzeiro, 2 de junho de 1878.
Crônica - Notas Semanais - O Cruzeiro 02/06/1878
Resta que me torne digno, não direi do aplauso, mas da tolerância dos leitores. [1] Um pouco dessa tolerância, bem podiam tê-la as comissões sanitárias, cuja locomoção me tem feito pensar nas três famosas passadas de Netuno [2]. Vejamos um claro exemplo de intolerância e de outra coisa. Descobriu uma de tais comissões que certa casa da rua tal, número tantos, [3] vende água de Vidago e de Vichy, sem que as ditas águas venham efetivamente dos pontos designados nos anúncios e nos rótulos. As águas são fabricadas cá mesmo. A comissão entendeu obrigar a casa a dar um rótulo às garrafas, indicando o que as águas eram; e, não sendo obedecida, multou-a. Há duas coisas no ato da comissão: ingenuidade e injustiça [4]. Com efeito, dizer a um cavalheiro que escreva nas suas águas de Vidago: estas não são de Vidago, são do Beco dos Aflitos — é exigir mais do que pode dar a natureza humana. Supondo que a população do Rio de Janeiro morre por lebre, e que eu, não tendo lebre para lhe dar, lanço mão do gato, qual é o meu empenho? Um somente: dar-lhe gato por lebre. Ora, obrigar-me a pôr na vianda o próprio nome da vianda; ou, quando menos, a escrever-lhe em cima esta pergunta: onde está o gato? é supor-me uma simplicidade que exclui a beleza original do meu plano; é fechar-me a porta[5]. Restar-me-ia, em tal caso, o único recurso de comparar a soma das multas com a soma dos ganhos, e se esta fosse superior, adotar o alvitre de fazer pagar as multas pelo público. O que seria fina flor da habilidade industrial. Mas pior do que a ingenuidade, é a injustiça da comissão, e maior do que a injustiça é a sua inadvertência [6]. A comissão multou a casa, porque supõe a existência de fontes minerais em Vidago e em Vichy, quando é sabido que uma e outra das águas assim chamadas são puras combinações artificiais. Acresce que as águas de que se trata nem são vendidas ao público. Há, na verdade, muitas pessoas que as vão buscar; mas as garrafas voltam intactas, à noite, e tornam a sair no dia seguinte, para entrar outra vez; é um jogo, um puro recreio [7], uma inocente diversão, denominada o jogo das águas, mais complicado que o jogo da bisca, e menos arriscado que o jogo da fortuna [8]. A vizinhança, ao ver entrar e sair muita gente, está persuadida de que há grande venda do produto, — o que diverte infinitamente os parceiros, todos eles sócios do Clube dos Misantropos Reunidos [9]. |
Notas
[1] No domingo do dia de junho de 1878 Machado inicia as crônicas com o pseudônimo de “Eleazar”. Na primeira crônica, com uma irônica humildade, pede aos leitores “ a tolerância” embora desejasse mesmo era “o aplauso”. Usando a tolerância descreve com ironia a fiscalização municipal contra a venda de produtos falsificados [2] “As três passadas de Netuno” Uma alusão ao Deus dos Mares, descrita por Homero em A Ilíada, Canto 13, verso 15. Com três passos Netuno atravessava toda a terra. A Vigilância Sanitária cobria rapidamente todos os cantos do Rio. [3] O fiscal não informa detalhadamente onde se falsificava os rótulos das águas. Machado indica vagamente “rua tal…” mais abaixo em uma conotação irônica, diz que é no “Beco dos Aflitos” (hoje Travessa Dias da Costa com R. Armando Sales de Oliveira, próximo à estação de Metrô Uruguaiana no Rio). A pequena estação de águas termais de Vidago, omitido na notícia de jornal anterior à crônica, em Portugal, esteve no auge da fama entre 1875-1877, quando o rei português Luís I frequentava como estação de férias por acreditar que suas águas curavam problemas digestivos. A cidade francesa de Vichy, hoje mais conhecida por ter sido sede do governo francês durante a ocupação nazista na segunda guerra, era uma estância de águas termais que se acreditavam curativas para o reumatismo. No terceiro império após a queda de Napoleão continuava a ser frequentada, entre 1861 e 1866, por Napoleão III. Mais do que falsificar uma marca de água importada, como ainda hoje se importa a francesa Perrier ou a italiana San Pellegrino, a água carioca era vendida como se tivesse poder curativo. [4] O fiscal não proibiu a venda do produto falsificado, porém pediu para que se colocasse no rótulo “falso”, ou “essa água é artificial”. Com esse rótulo desaparece o “poder curativo” da tal água, não teria ninguém que a comprasse, logo o produtor se recusou a atender o pedido e foi multado. O cronista utiliza “ingenuidade” no sentido de burrice ou ignorância. [5] A expressão “comprar gato por lebre” quer dizer ser enganado na compra, adquirir um produto imaginando, que é outro. A carne de lebre, ou coelho, é um prato nobre e caro, quando mortos ambos se parecem. O consumidor adquire o produto falsificado induzido pela propaganda e pelo próprio desejo de ser enganado. Matar gatos para comer ou vender a carne era mais comum à época que hoje. O cronista imagina-se na posição do falsificador que montou um negócio baseado na falsificação. Não faz sentido o comerciante ser obrigado a vender um produto falsificado indicando ao cliente no rótulo: este produto é falsificado, é “exigir mais do que pode a natureza humana”, como diz com ironia, seria como encerrar o negócio que “exclui a beleza do plano original”. [6] O exemplo de “outra” coisa é a injustiça e a inadvertência. A injustiça apontada seria o consumidor pagar as multas. Caso os vendedores lucrem, mesmo pagando as multas, o custo seria transferido para o consumidor final e continuariam lucrando na venda de um produto falso, não será necessário encerrar o negócio. [7] O produtor distribui as águas para os revendedores, não para o público, são as mesmas garrafas que são trocadas à noite pelos revendedores. Observando esse comércio ilegal o cronista diz que o negócio é como se fosse um jogo de cartas, uma diversão. [8] O jogo da bisca, ou do italiano briscola, é um jogo de comprar e vender cartas na mesa definido por um naipe principal. O jogo da fortuna é a loteria. [9] Os vizinhos observam o movimento ilegal, porém os que participam da venda da água “milagrosa” ou “curativa” “importada” guardam segredo entre si da ilegalidade, daí participarem de um “clube dos misantropos” . |
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Uma crônica moderna: Falsificação de cigarros paraguaios.
O Jornal A Gazeta do Povo de Curitiba publicou em 18/04/2012
Uma fábrica clandestina de cigarros falsificados paraguaios foi descoberta, e fechada, em Sapopema, cidade do Norte do Paraná.
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